Benefícios da “Antiaposentadoria”

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Um sorridente casal com cabelos grisalhos passeando em praias idílicas do Caribe, degustando pina coladas confortavelmente recostado em redes artesanais de descanso à beira-mar e vovôs e vovós brincando infantilmente com netinhos e netinhas são imagens da publicidade de fundos de aposentadoria complementar que vemos regularmente nos meios de comunicação.

Essa vida paradisíaca após a aposentadoria é uma ilusão de marketing, que está longe do cotidiano das pessoas normais que vivem com os pés no chão. O consultor americano Bob Hoffman diz que as pessoas têm necessidades simples e buscam soluções que sejam mais fáceis para atender seus desejos.

Em seus momentos de devaneio, as pessoas, certamente, se veem passando seus dias depois do fim da carreira em praias e montanhas sedutoras e viajando por todos os lugares turísticos do planeta. O ócio parece ser um desejo de consumo.

Pois tive uma experiência que me ensinou justamente o contrário. Quando a aposentadoria oficial ou empresarial se aproxima, é, na verdade, chegada a hora de planejar mais trabalho, ou ocupações prazerosas, e, se possível, que acrescentem uns trocadinhos a mais aos cobres escassos do INSS.

Depois de quatro décadas na lida diária nas redações de órgãos da imprensa no Brasil e na Inglaterra, fui convidado para coordenar as relações com a imprensa de um grande banco internacional. Ciente de que, ali, o aposentamento regulamentar inadiável seria aos 65 anos, procurei, aproveitando estar dentro de uma instituição financeira, um colega da área de administração de recursos.

Pedi-lhe que me recomendasse uma carteira de investimentos para que pudesse, na “melhor idade”, não fazer “mais nada”, e ir com minha parceira molhar os pés e a boca em plagas bucólicas, campestres e pastoris.

Levei uma bronca em resposta. “Você tem primeiro de pensar o que vai fazer com seu tempo depois da aposentadoria, e não pensar em dinheiro. Escolha uma atividade regular, por exemplo, estudar línguas, abrir um pequeno comercio, fazer cursos, voltar para a faculdade, dar aulas, ser voluntário … Se optar por ficar ‘paradão’ você vai acabar como cliente de profissionais de saúde mental e remédios tarja preta.”

Foi o conselho mais sábio que recebi. Continuei poupando parte do meu salário, mas, ao mesmo tempo, decidi buscar ocupações intelectuais para tentar preservar meus escassos neurônios, sinapses e coisas que tais.

Comecei a estudar hindi, a quinta língua mais falada do mundo, o que me leva a viagens incrível cultura milenar da Índia e do subcontinente asiático; e a pesquisar e ler muito para escrever crônicas sobre as experiências adquiridas na minha carreira de jornalista. Trabalho prazerosamente de seis a oito horas por dia.

Hoje, 26 de janeiro de 2022 chego aos 74 anos, “firing on all cylinders”, como se diz em inglês, ou seja a todo vapor; e comemorando o lançamento de meu segundo livro escrito depois dos 70 anos, já pensando em preparar mais uma coletânea de crônicas.

Certamente, como se diz, evitei viver com aquela sensação de que todos os meus amigos estão na escola e eu estou em casa doente… O Caribe e as pina coladas ficam para as férias.

Antonio Carlos Seidl, 74, jornalista e escritor

Autor dos livros

“Do Palácio ao Bordel – crônicas e segredos de um jornalista brasileiro em Londres” (Grua Livros – 2018)

“O Beijo na Calçada – crônicas extraordinárias de um repórter ordinário” (Astrolábio Edições – 2022) – em pré-venda.

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