No último número (2020), a Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia (RBGG) apresenta informações sobre  as consequências da fragilidade das políticas públicas para os idosos, o grupo de alto risco da covid-19.  

A pandemia da covid 19 mostrou no Brasil, um rosto diferente:

mais jovem, pois muito antes dos 60 anos, adultos apresentam comorbidades que os colocam no grupo de alto risco;

muito mais “escuro”, pois entre os pobres mais pobres estão os negros. As questões de raça e etnia são imperativas – incluindo-se as populações indígenas, imigrantes e povos nômades. Sem essas informações, até aqui ausentes dos boletins epidemiológicos, não poderá haver direcionamento adequado de ações de enfrentamento;

mais feminino, pelo maior risco de profissionais de saúde mais expostos, pela situação de trabalho informal, por seu papel de provedoras de alimentos e cuidados para a família e pelo aumento da violência doméstica;

ainda mais idadista, uma vez que escolhas economicistas determinam a exclusão dos mais idosos aos serviços de saúde;

elitista, pois os mais pobres são preteridos no acesso a diagnóstico e tratamento seja onde for que vivam;

mais sofrido, dada a absoluta insuficiência de cuidados paliativos na rede pública.

No Brasil, mais de 80% dos idosos dependem exclusivamente, para seus cuidados de saúde, do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa proporção é ainda maior entre negros e pobres. Há anos o SUS vem sofrendo cortes orçamentários profundos, e muitos de seus equipamentos já estavam à beira do colapso por excesso de demanda, antes mesmo da pandemia. A desigualdade é gritante – como expressou claramente a jornalista Flavia de Oliveira “A crise da covid-19 não forjou as mazelas do país. Escancarou-as”.

Envelhece-se mal e precocemente no Brasil. Assim, as mortes pela covid-19 no Brasil refletem não tanto nossa composição etária, mas sobretudo o fato de nunca termos tido políticas para um envelhecimento ativo e saudável, centrado em promoção da saúde, de aprendizagem ao longo da vida, de participação cidadã e proteção dos mais fragilizados.

Portanto, o momento atual exige de todos solidariedade intergeracional e interdisciplinar. À semelhança de outros países, a resposta do Brasil à pandemia foi “muito pouco, muito tarde”. Milhões de brasileiros não conseguem seguir as recomendações preventivas, não por não quererem, mas por não poderem: a exclusão social e as discriminações estruturantes negam-lhes uma existência plena de direitos. 

Trecho do editorial da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia no último número (2020) acerca da necessidade urgente de políticas públicas construídas com as pessoas idosas no Brasil.

O professor Renato Peixoto Veras (UnATI-Uerj) é o seu editor. Entre os assessores da publicação  está o médico Alexandre Kalache ( Centro Internacional de Longevidade Brasil). 

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