O teledramaturgo e escritor paulista Manoel Carlos, 87 anos, entende “de Brasil”. E a jornalista Cristina Padiglione, do UOL, mostra porque em seu brilhante artigo, aqui compactado.

O Viva reprisou na segunda-feira, às 23h, “Mulheres Apaixonadas”, de 2003, ocasião que fez de Christiane Torloni a Helena da vez. O telesociólogo Manoel Carlos como sempre acerta em tudo. E dentro de duas semanas, a Globo relançará no Vale a Pena Ver de Novo outra obra de Maneco: “Laços de Família” (2000), com a Helena de Vera Fischer.
“Mulheres” levanta bandeiras como a infidelidade de um cara bacana, oportunamente interpretado pelo mais aclamado dos caras bacanas na vida artística real, Tony Ramos, e o questionamento de uma mulher aparentemente muito bem sucedida, em casa e no trabalho, sobre felicidade.
Havia o alcoolismo, de novo, já citado em “Por Amor” (com Paulo José), agora com a Santana, de Vera Holtz. E a violência desenfreada no Rio, aquela que mais tem chance de virar manchete de jornal, na abastada zona sul do Leblon, cenário de todas as novelas do autor, morador do bairro cujo metro quadrado é um dos mais caros do mundo.

A colunista Cristina Padiglione, da Folha de São Paulo, mostra no compacto de seu artigo porque Manuel Carlos, é tão telesociólogo quanto Dias Gomes e Gilbeto Braga. Os três entendem “de Brasil”.

“Laços de Família” é centrada na generosidade da mãe, vivida por Vera Fischer, que abre mão de Reynaldo Gianecchini (lançamento da novela) para deixá-lo com a filha, por quem depois lutará para conseguir um transplante de medula a fim de salvá-la de uma leucemia. A cena de Carolina Dieckmann raspando a cabeça diante das câmeras é uma das sequências mais icônicas da teledramaturgia recente.

“Mulheres” viralizou na era pré-rede social, um feito e tanto, por outras tantas causas ali discutidas, como os maltratos a idosos, foco do núcleo de Regiane Alves e dos avós, Oswaldo Louzada e Carmen Silva. Os absurdos que a neta Doris dizia aos velhinhos, que moravam sob o mesmo teto que ela e os pais, foram fundamentais para destravar a votação sobre o Estatuto do Idoso no Senado, após seis anos de lenga-lenga.

Outra viralização da novela foi a violência doméstica. Mesmo que o tema tenha sido abordado em várias tramas, a delicadeza de Helena Ranaldi diante de um suposto marido legal (Dan Stulbach (em sua estreia na TV) causava horror nas pessoas quando ele se punha a cobri-la de raquetadas e hematomas.
“Mulheres” tinha também um par de lésbicas, vivido por Alline Moraes e Paula Picarelli, abordando ainda o drama do câncer de mama (Maria Padilha) e mulheres que amam demais, um foco extremamente delicado exercido com grande competência por Giulia Gam. A personagem chegava a fazer uma laqueadura, renunciando à maternidade, para viver pelo marido (Marcello Anthony), mas o sonho dele era ser pai.

Ainda em “Mulheres”, temos a estreia de Bruna Marquezine, menina de tudo, que encantou a audiência pelo talento precoce, como Salete, atuação que nos valeu como referência, anos depois, para o trabalho da pequena Mel Maia em “Avenida Brasil”, ambas nascidas de cenas com Tony Ramos, uma boa coincidência.
Tony, aliás, está em “Mulheres” e em “Laços”, assim como o Leblon, as Helenas, a Bossa Nova, sempre valorizada nas trilhas sonoras de Maneco, e José Mayer, o ator rompido com a Globo que mais aparece nas reprises do Viva e da Globo.

Há uma infinidade de causas nas duas tramas, e confesso que tive de recorrer a pesquisas para não confundir os temas levantados por uma e outra história, sem convicção de não ter errado nada. Ambas têm o DNA preciso do autor, que sempre teve o hábito de escrever cenas quase em tempo real e, sobretudo, de relatar dramas atemporais -daí o sucesso das reprises.

Como bem observou Antonio Fagundes há pouco mais de um ano, diante do sucesso de “Por Amor” (1997), outra de Maneco no Vale a Pena Ver de Novo, não é verdade que as pessoas hoje em dia não tenham paciência para acompanhar uma sequência com mais de 1 minuto.

Alguns diálogos entre Atílio, personagem de Fagundes, e a Helena de Regina Duarte naquele folhetim, consumiam mais de 3 minutos, sem intervalos e sem ameaçar os índices de audiência. Uma cena de café da manhã em novela de Manoel Carlos podia durar dois capítulos.

Para a nossa frustração, os personagens só conversavam, beliscavam um brioche e tomavam um gole de suco de laranja, deixando aquela farta mesa para a valorizada criadagem que as novelas do autor sempre tiveram. Foi como doméstica que Juliana Paes estreou, aliás, em “Laços de Família”.

 

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