Vida longa, um privilégio que sugere reinvenções

Autor(a):
 

 

Da mesma forma que o anticoncepcional, a liberação feminina e o Viagra deixaram suas marcas e impactos no século XX, o aumento nos índices de longevidade está se tornando um dos grandes desafios para este novo século. Por essa razão o livro de Anne Karpf (foto, numa palestra) , socióloga, jornalista e escritora inglesa, “Como envelhecer”, representa uma contribuição importante para o processo de análise e reflexão sobre o fenômeno. Especialmente, porque não se enquadra na categoria da autoajuda, com receitas mágicas. Bem ao contrário, é provocativo, na medida em que gera desconforto, incomoda, com dados e interpretações que induzem a conscientização do leitor.
 
 

 

Segundo Anne, “as pessoas que envelhecem melhor são aquelas que viajam carregando menos coisas, que são capazes de se livrar de ideias fixas às quais se apegaram em uma etapa da vida, quando veem que não são mais adequadas”. Ou seja, ela alerta para a importância de se reinventar várias vezes ao longo da vida. É uma “cutucada” importante para os que estão na meia-idade, véspera da aposentadoria ou na busca de um novo projeto que preserve sua autoestima.

 

“Uma vida longa significa que somos privilegiados, pelo acaso genético, pela afluência ou mera sorte. Woody Allen insistia em dizer que não tinha nada contra o envelhecimento, já que ninguém tinha descoberto uma forma melhor de não morrer jovem”.

Outra figura mencionada – no capítulo sobre sexo e atração no envelhecimento – é a escritora Agatha Christie, que recomendava às mulheres que se casassem com um arqueólogo, como ela, já que ele a considerava ainda mais bonita e interessante à medida que envelhecia.
Anne refuta formas mágicas ou receitas para combater o envelhecimento. “Nunca é demais repetir: ficamos cada vez mais diferentes dos outros conforme envelhecemos, e não menos. Não existe modelo para o envelhecimento, ou para envelhecer bem. A melhor forma é a sua forma”.
“Pessoas que vivem sua juventude como se nunca fossem envelhecer costumam achar a aposentadoria e a perda da identidade profissional particularmente traumáticas: fracassaram em cultivar aquelas qualidades que podem durar e, sem a estrutura imposta pelo trabalho, mesmo que reclamassem disso na época, ficam perdidas”.
Essa provocação é importante, na medida em que, além do envelhecimento populacional, também as questões de ordem previdenciária se tornam mais graves. Pesquisas recentes mostram pessoas manifestando o desejo de morrer antes que acabem suas reservas financeiras. E isso é resultado da falta de um projeto de vida que contemple o envelhecimento como mais uma etapa da existência.
Ao mencionar o psicanalista Erik Erikson, Anne reforça esse despreparo dizendo que, “conforme nos aproximamos do último estágio (velhice), nos conscientizamos do fato de que nossa civilização realmente não acolhe o conceito de vida como um todo”.
Segundo Anne, uma das formas de se preparar para a velhice é encarar o luto – lidar com algumas das perdas que são inevitáveis. “O luto cria uma espécie de espaço, no qual um senso de gratidão pode se desenvolver – gratidão pelo que resta, ou pelo que surgiu no lugar do que foi perdido. Essa capacidade de ser grato por pequenas coisas, da mesma forma que por coisas maiores, tem de ser cultivada, caso não venha naturalmente.”
“Acima de tudo”, ela observa, “precisamos nos lembrar de que o envelhecimento é um processo que dura a vida toda, não é algo que acontece no final de nossa vida: as sementes que plantamos são o que colheremos mais tarde”.
Anne afirma que “este livro pede que você tente reconhecer seu próprio envelhecimento, e entre em contato com ele”. Ela chega à temeridade de sugerir que, em vez de temer e negar o processo, que o envelhecimento seja abraçado. Seu argumento é de que podemos nos tornar mais vitais, e não menos, à medida que ficamos mais velhos.
As cinco últimas páginas do livro contêm o que a autora intitulou “Deveres de casa”, recomendações de leitura sobre o tema do envelhecimento.
Enfim, “Como envelhecer” não é leitura apenas para idosos, geriatras, cuidadores de idosos, casais, mas uma excelente reflexão para todos que já se situam na meia-idade. Sem que tenhamos de estabelecer qualquer cronologia para essa etapa da vida.
Por Renato Bernhoeft, empresário, consultor e escritor, fundou a höft consultoria e já ultrapassou os 70 se reinventando várias vezes
Conteúdo Valor Econômico Online, 
enviado por Rodrigo Cabral de Melo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *