1 de 12 Artigos Originais / Original Articles Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(2):e1900073 http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562019022.1900073 A coordenao de cuidados amplia a qualidade assistencial e reduz custos Coordination of care increases the quality of care and reduces costs Renato Peixoto Veras1 Joo Andr Cruz Gomes2 Sandro Tadeu Macedo3 Palavras-chave: Polticas de sade. Envelhecimento humano. Idoso. Preveno de doenas. Coordenao de cuidado. Pagamento por perfomance. Resumo O estudo aborda um modelo de ateno sade do idoso praticado por uma operadora de sade na cidade do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, com foco no grupo etrio dos idosos, segmento populacional no qual se identificam os maiores equvocos assistenciais. Os modelos assistenciais vigentes no levaram em considerao as profundas transformaes observadas na nova realidade epidemiolgica e demogrfica do pas. Considerando que o processo de envelhecimento no Brasil relativamente recente, o artigo apresenta uma proposta de modelo assistencial contempornea, recomendada pelos mais importantes organismos nacionais e internacionais de sade como a mais adequada para um melhor cuidado, tendo como foco a promoo, a preveno da sade e a coordenao do cuidado, de modo a evitar os excessos, desperdcios e sua fragmentao. Os resultados assistenciais e financeiros deste estudo apresentam nmeros bastante positivos, como a reduo da sinistralidade de 108,20% no primeiro ano para 56,6% no quinto ano do programa, e indicam o caminho a ser trilhado pelas empresas de sade. Tambm so apresentados o modelo de remunerao para os prestadores de servio e os indicadores utilizados para o estabelecimento de bonificaes, pois estas funcionam como um instrumento que estimula e valoriza as boas prticas assistenciais de sade. Um modelo de cuidado de maior qualidade, mais resolutivo e com melhor relao custo-efetividade a preocupao deste texto, e os resultados da operadora, aqui apresentados, corroboram esta tese. Abstract The study addresses a health care model of the elderly practiced by a health care provider in the city of Rio de Janeiro, RJ, Brazil, focusing on the age group of the elderly, population segment in which the greatest misconceptions are identified. The current assistance models did not consider the deep transformations observed in the new epidemiological and demographic reality of the country. Considering that the aging process in Brazil 1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Aberta da Terceira Idade. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2 Caixa de Assistncia Sade (CABERJ), Gerncia de Sade. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 3 Caixa de Assistncia Sade (CABERJ), Direo de Sade. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Correspondncia Renato Peixoto Veras unativeras@gmail.com Recebido: 15/04/2019 Aprovao: 14/06/2019 ID ID ID Keywords: Health policies. Human aging. Elderly. Diseases prevention. Coordination of care. Payment for performance. 2 de 12 Coordenao de cuidados e qualidade Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(2):e1900073 is relatively recent, the article presents a proposal for a contemporary care model, recommended by the most important national and international health agencies as the most suitable for better care, focusing on the promotion, prevention of health care and the coordination of care, in order to avoid excesses, waste and fragmentation. The assistance and financial results of this study display very positive figures and indicate the path to be taken by healthcare companies. The model of remuneration for service providers and the indicators used for the establishment of bonuses are also presented, since they function as an instrument that stimulates and values good health care practices. This text is concerned with a higher quality, more resolutive and cost-effective care model, which is corroborated by the operators results presented here. INTRODUO Uma das maiores conquistas da humanidade foi a longevidade, que se fez acompanhar da melhora substancial dos parmetros de sade das populaes, ainda que essas conquistas estejam longe de se distribuir de forma equitativa nos diferentes pases e contextos socioeconmicos. Chegar velhice antes privilgio de poucos passou a ser a norma, mesmo nos pases mais pobres. O desafio, portanto, agregar qualidade aos anos adicionais de vida. A transio demogrfica e a melhoria dos indicadores sociais e econmicos do Brasil, em comparao com dcadas anteriores, trouxeram a ampliao do contingente de idosos e maior presso fiscal sobre os sistemas de sade pblico e privado. Se essa parcela da populao aumenta, naturalmente ampliam-se as doenas crnicas e os gastos1. Um dos resultados dessa dinmica a demanda crescente por servios de sade, o que pode, em contrapartida, gerar escassez e/ou restrio de recursos. As internaes hospitalares tornam-se mais frequentes e o tempo de ocupao do leito maior se comparado com outras faixas etrias. As doenas que acometem os idosos so majoritariamente crnicas e mltiplas, exigem acompanhamento constante, cuidados permanentes, medicao contnua e exames peridicos2. Com tantas situaes adversas, o cuidado do idoso deve ser estruturado de forma especial. A atual prestao de servios de sade fragmenta a ateno a esse grupo etrio, com multiplicao de consultas de especialistas, informao no compartilhada, inmeros frmacos, exames clnicos e imagens, entre outros procedimentos que sobrecarregam o sistema, provocam forte impacto financeiro em todos os nveis e no geram benefcios significativos para a sade ou para a qualidade de vida3. Ao longo das ltimas dcadas, ficou demonstrado que possvel prevenir a maioria dos problemas de sade pblica que afetam a populao relativos no somente s doenas transmissveis, mas tambm s no transmissveis. Tal afirmao exemplificada pela reduo da mortalidade devido a doenas cardiovasculares, diminuio da incidncia e mortalidade por cncer cervical, da prevalncia do consumo de fumo e da incidncia de cncer do pulmo em homens. Em sntese: o nus gerado por doenas poderia ser evitado tanto em termos sociais como econmicos4. O monitoramento das condies de sade de uma dada populao, assim como de seus fatores associados, um instrumento-chave para orientar estratgias de preveno, as quais devem ter como objetivo: interferir favoravelmente na histria natural da doena; antecipar o surgimento de complicaes; prevenir as exacerbaes e complicaes das doenas crnicas; aumentar o envolvimento do paciente no autocuidado; construir uma base de dados sobre os doentes crnicos, ou seja, a imensa maioria da carteira de idosos. Segundo a Organizao Mundial da Sade (OMS), uma doena crnica apresenta uma ou mais das seguintes caractersticas: permanente; produz incapacidade ou deficincias; causada por alteraes patolgicas irreversveis; e precisa de perodos longos de superviso, observao ou cuidados. Em geral, as doenas crnicas se iniciam lentamente, tm durao longa ou incerta, sem uma causa nica5. O tratamento envolve mudanas no estilo de vida e cuidados contnuos, que no costumam levar cura, 3 de 12 Coordenao de cuidados e qualidade Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(2):e1900073 mas permitem manter a enfermidade sob controle e melhorar a qualidade de vida do paciente, de modo a impedir ou amenizar o declnio funcional. Grande parte das doenas crnicas est relacionada com idade, maus hbitos alimentares, sedentarismo e estresse, por isso a maioria delas pode ser prevenida e/ou postergada. Significa dizer que, apesar da doena, possvel ter uma vida plena por mais tempo. Os programas voltados para esse pblico devem ser construdos com base na integralidade do cuidado, com protagonismo do profissional de sade de referncia e sua equipe, gerenciando no a doena, mas o perfil de sade do doente. Muitas vezes, o tratamento de alguma manifestao s pode ser conduzido com a reduo ou suspenso de outras aes que vinham sendo desenvolvidas5. Um modelo contemporneo Nos projetos internacionais, o mdico generalista ou de famlia absorve integralmente para si de 85% a 95% dos seus pacientes, sem necessidade da ao de um mdico especialista. Alm disso, esse mdico pode utilizar profissionais de sade com formaes especficas (em Nutrio, Fisioterapia, Psicologia, Fonoaudiologia...). o generalista quem faz a indicao e o encaminhamento6. O modelo ingls, o National Health Service (NHS), tem como figuras centrais mdicos generalistas de alta capacidade resolutiva os chamados general practitioners (GPs) , que estabelecem um forte vnculo com o paciente. O acesso a esses profissionais garantido a todos, independentemente de renda ou condio social, semelhana do Sistema nico de Sade (SUS) brasileiro. Ao fazer seu registro com um GP, o cidado britnico recebe assistncia mdica pblica e gratuita em unidades compostas por clnicos gerais e enfermeiros. Qualquer atendimento necessrio, desde que no seja de extrema urgncia ou em funo de algum acidente, ser feito ali7. O modelo americano, por outro lado, opta pelo encaminhamento do paciente para inmeros mdicos especialistas. So dois pases ricos, de grande tradio na medicina. Utilizam, no entanto, sistemas diferentes e proporcionam resultados tambm bastante distintos8. No Brasil, o que se observa um excesso de consultas realizadas por especialistas, pois o modelo atual de assistncia prioriza a fragmentao do cuidado9. No entanto, a discusso sobre o envelhecimento populacional trazida pela nova realidade epidemiolgica e demogrfica sugere o desenvolvimento de um modelo mais resolutivo e eficaz10. E uma questo emerge: se todos debatem esse tema e as solues j esto presentes nas mesas de deciso, por que a situao permanece inalterada? Por que lderes e gestores no transformam o cenrio? Para que o setor de sade particularmente no segmento dos idosos se organize, um dos itens a serem considerados a confiana. Hoje a sociedade desconfia do que ofertado. Nesse clima, qualquer proposta de mudana vista com reservas. Tudo que multifatorial e foi construdo ao longo de muitos anos difcil de transformar11. A qualidade assistencial demanda maior conscientizao de gestores de sade e da sociedade. Discute-se que seria caro aplicar instrumentos de qualificao do atendimento, acreditaes e certificaes, mas bons servios so mais efetivos em termos de custo, tm menor desperdcio e melhores resultados assistenciais para os pacientes. Em alguns pases, a acreditao e a avaliao de indicadores de qualidade so requisitos obrigatrios. No Brasil, porm, valoriza-se e premia-se o volume. Falta uma poltica de estmulo qualidade. Os pacientes nem sempre a reconhecem como uma necessidade. E tanto a sade pblica como a privada a percebem como um custo adicional. Custos explosivos Estudo recente da Organizao de Cooperao e de Desenvolvimento Econmico (OCDE) em pases desenvolvidos mostra a diferena dos custos de sade nos Estados Unidos em comparao com outros pases ricos e de boa qualidade assistencial onde, naturalmente, as despesas em cuidados de sade so mais volumosas do que nos pases em desenvolvimento. Ainda assim, o gasto dos norteamericanos superior. Em 2017, foi de US$ 10.224 por pessoa, 28% maior que a Sua e mais que o dobro 4 de 12 Coordenao de cuidados e qualidade Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(2):e1900073 do Reino Unido (vide figura 1). Estes dados reforam que investir maciamente em tratamento de doenas no suficiente. Considerando o envelhecimento da populao mundial, os custos de sade tendem a ser um peso cada vez maior para a sociedade, conforme a figura 2, onde se observa reduo nos preos das atividades que exigem uso de novas tecnologias, em contraponto ao incremento dos custos referentes aos servios hospitalares. imperativo mudar a lgica assistencial12. Figura 1. Gastos com consumo de sade per capita, dlares americanos, ajustando pela Purchasing Power Parity (PPP), 2017. PPP: A paridade do poder de compra uma forma de medir as variveis econmicas em diferentes pases, de forma que as variaes irrelevantes da taxa de cmbio no distoram as comparaes. Fonte: KFF analysis of data from National Health Expenditure Accounts and OECD Get the data PNG. Peterson-Kaiser, Health System Tracker. Figura 2. 20 anos de mudanas de preos nos Estados Unidos. Bens e servios de consumidores selecionados, salrio (jan./1998 a dez./2018). Fonte: Price Changes Over the last 20 years prove the economy is rigged. Disponvel em: (https://howmuch.net/article/price-changes-in-usa-inpast-20-years). 5 de 12 Coordenao de cuidados e qualidade Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(2):e1900073 A inovao necessria A ateno deve ser organizada de maneira integrada, e os cuidados precisam ser coordenados ao longo do percurso assistencial, em uma lgica de rede, desde a entrada no sistema at os cuidados ao fim da vida13. Os adequados modelos de ateno sade para idosos apresentam uma proposta de linha de cuidados com foco em aes de educao, promoo da sade, preveno de doenas evitveis, postergao de molstias, cuidado precoce e reabilitao14. O modelo deve ser baseado na identificao precoce dos riscos de fragilizao do usurio. Uma vez identificado o risco, a prioridade intervir antes que o agravo ocorra, reduzindo o impacto das condies crnicas na funcionalidade a ideia monitorar a sade, no a doena. Assim, a melhor estratgia para um cuidado adequado utilizar a lgica de permanente acompanhamento, variando apenas os nveis, a intensidade e o cenrio da interveno15. Existe a compreenso geral de que o cuidado ao idoso ultrapassa a sade. Alm do diagnstico e da prescrio, a participao social, as atividades fsicas e mentais so elementos importantssimos para a manuteno da capacidade funcional. Mas ainda h, principalmente na sade suplementar, muita dificuldade de entender essas aes como parte integrante do cuidado uma tendncia a separar aes sociais de aes curativas. Tambm de fundamental importncia, sobretudo nos dias atuais, que as informaes de qualidade e os pronturios eletrnicos registrem tanto as aes clnicas como as sociais. E que esse registro esteja disponvel na nuvem, acessvel pelo celular, para que mdicos e demais profissionais de sade possam monitorar o cliente a qualquer momento. Quanto ao modelo de remunerao dos profissionais de sade, por que no adotar o pagamento por desempenho? Associar resultados forma de remunerao um poderoso instrumento indutor de qualidade assistencial. E o modelo deve, necessariamente, ser do tipo ganha-ganha, em que todos os envolvidos sejam beneficiados, sobretudo o prprio paciente. Para pr em prtica as aes necessrias para um envelhecimento saudvel e com qualidade de vida, preciso repensar e redesenhar o cuidado ao idoso com foco nesse indivduo e em suas particularidades. Isso trar benefcios, qualidade e sustentabilidade no somente para a populao idosa, mas para o sistema de sade brasileiro como um todo5. momento de mostrar competncia para arregimentar esforos que transformem a teoria em um modelo de sade de qualidade universal. No se deseja a fragmentao do SUS ou o aumento do nmero de falncias entre as empresas de assistncia mdica privada. O desafio que esse novo modelo assistencial seja aceito pelo cliente, pois a confiana fator indispensvel para que o processo ocorra conforme previsto e no se pode pedir que algum confie em algo que desconhece. No adianta afirmar que esse modelo o melhor se ele no for praticado pelos servios de sade suplementar. A sociedade precisa conhecer essa proposta amplamente para se convencer de seus benefcios16. Do contrrio, continuar optando pelo canto da sereia do excesso e do consumo, que oneram o sistema, geram custos cada vez mais altos e inviabilizam a assistncia no longo prazo. A coordenao de cuidado bem executada Apresenta-se, a seguir, a experincia bem-sucedida de uma operadora de sade em duas de suas unidades na cidade do Rio de Janeiro. O estudo se concentra em alguns indicadores de desempenho da empresa, que tem um programa especfico para a populao idosa e vem colhendo excelentes resultados. Uma parte dos profissionais de sade e, principalmente, dos clientes, resistiu mudana da lgica assistencial, pois no aceitava contar com poucos mdicos. Aps o primeiro ano da implantao do novo modelo, no entanto, o quadro mudou. Neste estudo, apresentada a anlise de um perodo de 12 meses maro de 2018 a fevereiro de 2019 como forma de demonstrar que possvel mudar para obter melhores resultados e gerar fidelizao. O programa de geriatria e gerontologia conta com duas unidades na cidade do Rio de Janeiro, nos bairros de Copacabana e Tijuca, locais de grande proporo de idosos. O atendimento prestado por mdicos generalistas e geriatras, alm de equipe 6 de 12 Coordenao de cuidados e qualidade Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(2):e1900073 multiprofissional especializada (enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psiclogos e assistentes sociais). Em seu quinto ano de funcionamento, o programa est estruturado em um modelo de atendimento que privilegia a assistncia integral e a preveno por meio de monitoramento contnuo das condies de sade dos associados e coordenao de cuidados em todas as instncias de ateno. Trabalhou-se nesse levantamento com os nmeros totais das unidades, sem distino de local, pois o modelo praticado exatamente igual em ambas unidades. A operadora de sade atende associados a partir dos 40 anos, porm a concentrao maior de participantes est na faixa dos 60 aos 79, com 76,7% da clientela. A mdia etria dos participantes desse programa dessa operadora de sade de 69,1 anos. So aceitos associados com doenas crnicas, hbitos de vida no saudveis ou com predisposio para tais patologias. A porta de entrada feita por busca ativa, demanda espontnea, indicao mdica e desospitalizao. A centralidade desse modelo se d por intermdio do mdico gestor ou mdico assistente, profissional que conduz o processo. Caso precise de um parecer ou considere ser necessria a interveno de outro colega, este encaminhar o cliente a um especialista. A conduo do caso, porm, de sua responsabilidade. Aps a consulta com o especialista, tudo ser registrado no pronturio nico do paciente, que retornar ao mdico assistente. O programa tem como base uma dupla formada por mdico generalista (geriatra qualificado) e enfermeiro. Juntos, eles tm a responsabilidade de acompanhar a sade de cerca de 360 pacientes. O mdico, que trabalha 20 horas por semana, faz a gesto clnica; o enfermeiro, a coordenao de cuidados, monitorando as condies de sade da sua carteira e consolidando o papel de referncia por meio do acolhimento e do fortalecimento de vnculo. A proposta de acolher, acompanhar e dar apoio sade dentro de um conceito amplo que considere a estabilizao clnica um objetivo constante uma das premissas do programa. A eficcia atestada pelos resultados financeiros obtidos, o que s possvel com a grande adeso dos participantes, que percebem um cuidado mais intenso. Nessas unidades de sade, um espao importante o centro de convivncia, que desempenha papel fundamental para sua caracterizao como local de integrao de vrias aes de promoo, preveno e educao. So encontros e interaes mediados por intenes pedaggicas voltadas para a pessoa idosa, como oficinas de sade, grupos teraputicos, ioga, dana de salo, grupos de psicologia, nutrio, canto, orientao postural, fortalecimento plvico e muscular, com participao dos profissionais da equipe multidisciplinar. um conjunto de profissionais de diferentes formaes contribuindo com ferramentas especficas de sua rea de saber e atuao. O objetivo reduzir os problemas de solido dos idosos, melhorar seu contato social e desenvolver novas capacidades em idade mais avanada, pois um espao estimulante para troca de experincias, mediado por uma instncia pedaggica. O ingresso Quando existe interesse em ingressar no programa, agendada uma entrevista inicial com a equipe de gesto. Nesse momento so descritas as premissas bsicas, como a linha nica de cuidado mdico, a importncia da assiduidade s consultas independentemente de sintomatologia ou doena ativa instalada e o processo de monitoramento. Inicialmente, feita a avaliao funcional do idoso utilizando a ferramenta ndice de Vulnerabilidade Clnico Funcional-20 (IVCF-20), para estratificao de risco de fragilidade. Ao longo do processo, tambm so utilizadas outras escalas, como a escala de Atividades Bsicas de Vida Diria (escala de Katz), escala de Depresso Geritrica (escala de Yesavage) e escala de Atividades Instrumentais de Vida Diria (escala de Lawton)17-19. Aps essa avaliao, a dupla formada por geriatra e enfermeiro define um plano teraputico individual com periodicidade de consultas, encaminhamento para equipe multidisciplinar e centro de convivncia e, se for o caso, avaliao de especialistas mdicos. 7 de 12 Coordenao de cuidados e qualidade Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(2):e1900073 Para o sucesso do modelo, fundamental que o cliente seja informado sobre seus diferenciais: integralidade, acompanhamento individualizado de mdico assistente e enfermeira, avaliaes constantes, apoio de uma equipe de sade e ateno global do cuidado. O programa est inserido em uma plataforma de preveno que contempla projetos de cuidados paliativos, assistncia domiciliar em vrios nveis, acolhimento e assistncia hospitalar direcionada, que a rede de mdicos internistas prpria da operadora para acompanhar os associados em determinados hospitais onde existem leitos exclusivos. Ao monitorar a sade em vez da doena, o modelo direciona o investimento dos recursos do sistema para uma interveno precoce, o que resulta em chances mais generosas de reabilitao e reduo do impacto na funcionalidade. Remunerao dos mdicos O pagamento por desempenho foi institudo pela operadora para esse programa especfico e estabelece nveis de bnus que podem chegar a 30% a mais na remunerao por trimestre. A cada trs meses, feita uma avaliao do desempenho do profissional a partir de indicadores previamente determinados. Cada ponto obtido agrega um bnus de 5% do salrio. Um dos itens de avaliao o percentual de atendimentos da carteira do mdico a cada trimestre. Considerando que existe a necessidade de quatro consultas mdicas/ano como premissa do programa, exigida uma consulta por trimestre para a totalidade dos clientes vinculados ao mdico. Ou seja: todos os clientes do programa so atendidos pelo seu mdico quatro vezes ao ano. As situaes de no atendimento so analisadas caso a caso. So pr-requisitos da bonificao a assiduidade e a pontualidade, fundamentais para a garantia do quantitativo de consultas fator de qualidade do funcionamento do servio. Outra exigncia para participar do programa de pontuao o registro adequado das informaes e eventuais internaes no pronturio eletrnico dos participantes. O controle rgido pela equipe determina o sucesso econmicofinanceiro de qualquer iniciativa ou projeto. A bonificao foi estabelecida, inicialmente, apenas para os mdicos geriatras, mas o sucesso dessa modalidade de pagamento foi to expressivo que a empresa decidiu estender o benefcio a toda a equipe de sade. Os itens escolhidos para o estabelecimento de critrios de remunerao diferenciada por desempenho esto relacionados aos princpios tericos que norteiam as aes desenvolvidas. Como premissas estabelecidas, esses indicadores so constantemente avaliados. Uma pesquisa de satisfao da clientela nos moldes da metodologia do Net Promoter Score (NPS) que uma metodologia criada nos EUA, com o objetivo de realizar a mensurao do Grau de Lealdade dos Consumidores de qualquer tipo de empresa. Sua ampla utilizao se deve a simplicidade, flexibilidade e confiabilidade da metodologia, essa metodologia realizada continuamente nas unidades de sade da operadora. Uma das questes uma avaliao da satisfao do cliente com seu mdico. Nesta operadora, todos os mdicos do programa so geriatras com, no mnimo, uma ps-graduao. uma exigncia, pois a excelncia profissional fundamental para o sucesso. Outro princpio bsico a resolutividade do mdico geriatra. De acordo com estudos internacionais7, o mdico generalista pode resolver de 85% a 95% das situaes clnicas da clientela. Os encaminhamentos para especialidades clnicas so exceo. Se o mdico encaminhar at 15% dos clientes da sua carteira no trimestre, estar demonstrada uma boa capacidade resolutiva, merecedora de pontuao. A circulao dos usurios do programa pela equipe multidisciplinar e pelo centro de convivncia determina o vnculo do cliente e a resolutividade. Com isso, foi includo um item que avalia a participao dos associados de cada carteira mdica em consultas com os gerontlogos da equipe e nas atividades coletivas do centro de convivncia, valendo pontos para a bonificao. A sinistralidade o principal indicador econmicofinanceiro estabelecido para avaliao do programa, razo pela qual foi conferido um peso maior a este item, podendo o mdico ganhar at dois pontos na avaliao de sua performance. Analisando o histrico 8 de 12 Coordenao de cuidados e qualidade Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(2):e1900073 recente dos resultados, foram estabelecidas metas ousadas para pontuao. Apesar de haver rigidez maior nessa avaliao, o que est sendo exigido j vem acontecendo, sendo justo o estmulo aos profissionais dentro da premissa de ganha-ganha. Pontuao para a bonificao Os itens da carteira de cada mdico avaliados trimestralmente so os seguintes: 1. Percentual de atendimento a. Atendimento de 100% da carteira no trimestre (1 ponto). b. Atendimento de 90% a 99% (sem pontuao). c. Atendimento abaixo de 90% (menos 1 ponto). 2. Pesquisa de satisfao do cliente (acima de 90%,1 ponto). 3. Resolutividade do mdico a. Utilizao da rede para menos de 15% dos casos (1 ponto). b. Utilizao da rede de 80% a 85% (sem pontuao). c. Utilizao da rede abaixo de 80% (menos 1 ponto). 4. Participao nas atividades do centro de convivncia, nas oficinas/equipe multidisciplinar. a. Acima de 20% dos clientes da carteira (1 ponto). b. De 10 a19% (sem pontuao). c. Abaixo de 10% (menos 1 ponto). 5. Sinistralidade da carteira a. Abaixo de 70% (2 pontos). b. De 70% a 79% (1 ponto). c. De 80% a 99% (sem pontuao). d. 100% (menos 1 ponto). Por questes de privacidade, no foram apresentados os resultados das bonificaes dos mdicos. Como informao geral, no entanto, consta que todos os mdicos do programa foram bonificados em todas as avaliaes trimestrais. A variao se deu no valor do ganho, pois o percentual de alguns foi superior ao de outros. Transio do cuidado hospitalizaes Um dos principais fatores para o controle de custos dos associados nesse programa o acompanhamento em cada instncia de cuidado. O paciente no tem uma lacuna na ateno quando encaminhado rede assistencial, quando necessita de cuidados tercirios ou de ateno em nvel hospitalar. A transio entre as instncias acompanhada pela equipe de gesto, que preza pela fluidez no fluxo de informaes, aproximando os profissionais assistentes e buscando preservar o princpio da direo predominante da dupla formada por mdico geriatra e enfermeiro. O controle das hospitalizaes se d por intermdio de fluxo determinado com o objetivo de assistir o cliente, garantindo que os responsveis pelo atendimento conheam seu histrico clnico e de tratamento, alm do entendimento de que essa pessoa tem um acompanhamento frequente e deve retornar sua equipe de sade quando o perodo de agravamento clnico for superado. Em caso de internao, o monitoramento do paciente feito diariamente por duas vertentes. Em uma delas, o enfermeiro mantm contato com a famlia para dar apoio, esclarecimento ou identificar necessidades (do paciente ou da prpria famlia). A outra vertente envolve o gestor de preveno, que atua como elo entre ambulatrio e hospital, fazendo acompanhamento dirio com o mdico assistente hospitalar. Nos hospitais onde existe a figura do mdico internista (68% das internaes do programa), esse contato facilitado e direto. Nos demais existe o apoio dos mdicos auditores ou da equipe assistente. Com esse objetivo sendo cumprido, nos momentos em que o idoso necessita de hospitalizao ela ocorre em tempo menor, evitando procedimentos desnecessrios ou internaes em setores de terapia intensiva, garantindo direcionamento ps-alta para a instncia leve, sem necessidade de consulta a vrios especialistas. Tudo converge para uma qualidade assistencial superior e com significativa reduo de custos, impactando positivamente a sinistralidade desse grupo de pacientes. 9 de 12 Coordenao de cuidados e qualidade Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(2):e1900073 RESULTADOS Os resultados da operadora estudada so bastantes expressivos e demonstram o xito do modelo. A sinistralidade vem decrescendo continuamente. Em seu primeiro ano, a operadora teve prejuzo, pois a sinistralidade foi de 108,20%, refletindo o perodo em que todos os clientes ainda praticavam uma medicina inadequada, de muitos mdicos e hospitais. Mas a partir do segundo ano, os nmeros melhoraram e bons resultados foram obtidos nos anos subsequentes, chegando impressionante marca de 56,6% neste ltimo (figura 3). A sinistralidade no ano de 2018 foi de 61,8%. A figura 4 mostra o desempenho ms a ms. Os resultados da sinistralidade do programa no ltimo ano esto abaixo da expectativa para uma faixa etria de 60 anos ou mais. Outro indicador que demonstra excelentes resultados o de internao hospitalar. Nas duas unidades da operadora, h 1.832 associados. Nos ltimos 12 meses, houve 238 internaes, totalizando 1.160 dias 4,9 dias de tempo mdio de permanncia na unidade hospitalar. A mdia mensal foi de 19 internaes e a taxa de hospitalizao por 100 habitantes foi de 12,99 ou 129,90 por mil associados. Foram comparados os nmeros da Agncia Nacional de Sade Suplementar (ANS) sobre internaes hospitalares de beneficirios das vrias modalidades de operadoras de sade brasileiras. Em vrios anos e em todas as comparaes, os nmeros da empresa estudada foram superiores20. Deve-se considerar, ainda, que os dados da ANS compreendem participantes de todas as faixas etrias, ao passo que o programa da operadora estudada trabalha majoritariamente com idosos. Seria, portanto, natural imaginar que os nmeros da ANS, por inclurem uma significativa parcela de adultos jovens e crianas, fossem melhores (figura 5). A figura 6 mostra a comparao da taxa de internao por mil beneficirios do Programa estudado com operadoras de Autogesto, e tambm com a mdia de todas as operadoras de sade em 2015, 2016 e 2017. O grupo Programa resultado da operadora estudada, segue com o grupo Autogestes, e todas as operadoras de sade para os anos estudados. A anlise da taxa de internao mensal do Programa indica que no h variao grande no nmero de internaes ao longo do tempo, demonstrando estabilidade determinada pelo controle estabelecido pelo acompanhamento contnuo e monitoramento efetivo. Figura 3. Sinistralidade nos ltimos cinco anos. 10 de 12 Coordenao de cuidados e qualidade Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(2):e1900073 Figura 4. Sinistralidade ms a ms 2018-2019. Figura 5. Taxa de internao pelos grupos estudados. Figura 6. Percentual de internao por 100 associados inscritos. 11 de 12 Coordenao de cuidados e qualidade Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2019;22(2):e1900073 A importncia da coordenao dos cuidados Existem algumas sugestes de modelos de linhas de cuidado. O importante que cada instituio de sade tenha conhecimento de sua carteira, seu perfil e necessidades, de modo a organizar da melhor forma sua prestao de servios. O modelo desta operadora corrobora estudos que sugerem a implantao da coordenao dos cuidados. Considerar o hospital como local privilegiado da cura um erro conceitual, pois deve haver vrias instncias de cuidado anteriores. No caso de pessoas idosas, a internao deve ocorrer somente no momento agudo da doena crnica e pelo menor tempo possvel ou em urgncias. A porta de entrada no sistema deve ser o local facilitador para o cliente e sua famlia se sentirem protegidos e amparados. Acolher fundamental para quem chega e um estmulo para desenvolver confiana e se fidelizar. Outro aspecto importante a nfase para que os clientes participem das atividades do centro de convivncia. Os dados demonstram o efeito positivo na reduo do encaminhamento para os mdicos especialistas. Alm do mais, os profissionais que comandam as atividades so identificados como membros da equipe e, portanto, possuem alta credibilidade entre os clientes. Evidenciou-se, ainda, a importncia de um bom sistema de informao e do uso das novas tecnologias para um contato mais frequente com a clientela. Sem boa informao, no h monitoramento. Por questes ticas, foi preservado o nome da operadora de sade, que autorizou o uso dos dados e das informaes aqui apresentados mediante solicitao prvia. Apesar de os resultados apresentados se referirem a uma operadora de sade, como se trata de um modelo assistencial, a proposta deste artigo pode ser perfeitamente aplicada no servio pblico. Com a justificativa de que bons modelos assistenciais da sade deveriam ser praticados tanto no SUS quanto no setor privado, o bom modelo deve ser utilizado pela populao brasileira sem distino, seja ele pblico ou privado. CONCLUSO Em sntese, um modelo de ateno sade do idoso que se pretenda eficiente deve aplicar todos os nveis de cuidado: um fluxo bem desenhado de aes de educao, promoo da sade, preveno de doenas evitveis, postergao de molstias e reabilitao de agravos. Tem incio na captao e no acolhimento, e somente se encerra nos momentos finais da vida, na unidade de cuidados paliativos. Para reorientar a ateno sade da populao idosa e construir uma organizao no setor que permita melhores resultados assistenciais e econmico-financeiros, basta que todos os envolvidos se percebam responsveis pelas mudanas e se permitam inovar o que, em muitas situaes, significa resgatar cuidados e valores mais simples, que se perderam dentro do sistema de sade brasileiro. No se nega a importncia das instncias pesadas de cuidado, e sabido que sempre haver necessidade de bons hospitais. O que no razovel transformar os hospitais em porta de entrada do sistema de sade. fundamental incluir o debate sobre curar e cuidar nas discusses sobre a formao profissional e a organizao dos servios. Essa transformao far grande diferena neste momento de envelhecimento populacional, pois possvel envelhecer com sustentabilidade, sade estabilizada e qualidade de vida. REFERNCIAS 1. Veras RP, Estevam AA. Modelo de ateno sade do idoso: a nfase sobre o primeiro nvel de ateno. In: Lozer AC et al. (Orgs.). 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