“Longevidade sem qualidade de vida é prêmio envenenado”

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O título é uma afirmação do gerontótolo e epidemiologista Alexandre Kalache (Presidente do Centro Internacional de Longevidade- BR) em suas entrevistas

Três cientistas portugueses discutem os limites da longevidade pura e simples.

A esperança de vida continua a aumentar, mas não basta viver mais tempo, importa viver melhor. Três investigadores portugueses na área da longevidade partilham com o Expresso visões sobre os desafios colocados pelo envelhecimento e sobre o trabalho que desenvolvem

Todos concordam que, com o aumento da esperança de vida, é importante trabalhar para que esse tempo seja de qualidade. “Há vários estudos com todos os grupos populacionais e o que as pessoas valorizam não é o tempo de vida, mas sim a qualidade desse tempo”, aponta Lia Araújo, professora na Escola Superior de Educação de Viseu e investigadora no CINTESIS, onde integra o grupo AgeingC, dedicado ao envelhecimento.

Viver mais? “A maior parte das pessoas acredita que o tempo que se passa cá é suficiente”, concorda Filipe Cabreiro, professor e investigador no CECAD, da Universidade de Colónia (Alemanha). “Aumentar a longevidade em si não faz sentido nenhum se esta não for acompanhada com um aumento equivalente da qualidade de vida”, defende.

LONGEVIDADE

“A melhoria das condições de vida tem grande influência a nível da trajetória do envelhecimento humano”, algo que “parece comum, mas que a área da investigação do envelhecimento mostrou”, refere o biogerontologista João Passos. 

Comer de forma saudável, por exemplo seguindo a dieta mediterrânica, e fazer exercício físico regularmente é fundamental. “As sociedades em que essas características são mais predominantes são aquelas em que as pessoas têm melhor qualidade de vida durante o envelhecimento”, destaca.

Ainda no que toca ao estilo de vida, outro fator relevante são os laços sociais. “Está mais que provado que uma pessoa que durante a sua vida adulta não se dedique muito aos amigos e à família – que seja, por exemplo, super focada no trabalho –, quando chegar à idade da reforma e à velhice, vai ter imensas dificuldades de integração social porque não investiu na rede social”, aponta Lia Araújo.

O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO É “EXTREMAMENTE COMPLEXO”

A investigação na área da longevidade tem sido alvo de maior interesse nos últimos anos. Inicialmente, “não era vista como ciência a sério”, algo que já não acontece atualmente, aponta Filipe Cabreiro. “Agora há muitos investimentos da parte de grandes bilionários”, diz, exemplificando com o caso da Altos Labs, que conta com o financiamento de Jeff Bezos.

No entanto, Filipe Cabreiro alerta que a “ideia de que vamos resolver o envelhecimento imediatamente ou no curto prazo não é razoável”, isto porque “o processo de envelhecimento é extremamente complexo”, tal como os próprios seres humanos. João Passos concorda: “Não existe apenas uma coisa que causa o envelhecimento, existem muitos fatores que levam ao envelhecimento.”

Ambos destacam o surgimento de doenças como um dos fatores relevantes com o passar dos anos. Por estarmos “cada vez a viver mais tempo”, há “cada vez mais pessoas que precisam de cuidados médicos”, aponta João Passos. “Quanto mais tempo se vive, mais probabilidade se tem de ter cancro ou doenças cardiovasculares ou Alzheimer”, refere. Por isso, é preciso “melhorar o processo de envelhecimento, para reduzir o impacto ou o aparecimento dessas doenças”, indica Filipe Cabreiro.

Assim, o foco não deverá estar em aumentar o tempo de vida por si só, mas em “tentar aliviar o sofrimento associado ao envelhecimento”, diz João Passos. Até porque uma “longevidade extrema” criaria uma situação “insustentável”, uma vez que o mundo “tem limites a nível de recursos”, destaca Filipe Cabreiro. A nível de emprego, por exemplo, há cada vez “maior competição” e, com os avanços tecnológicos, as pessoas “já começam a ter dificuldades em acompanhar as mudanças tão rápidas que existem”, acrescenta.

Nos últimos anos, a Mayo Clinic fez “uma experiência considerada muito importante”, em que foi encontrado “um sistema em que se pode eliminar essas células”, através de medicamentos que “aumentam a vida dos ratinhos” e “melhoram muitas condições e doenças associadas ao envelhecimento”. Trata-se do estudo do papel das células senescentes, que se começam a acumular quando envelhecemos. “São células que, apesar de estarem danificadas, não morrem e têm efeitos negativos”, explica. Os testes clínicos em seres humanos ainda estão a decorrer.

SENTIDO DE VIDA

Lia Araújo conclui:

“Nos nossos centenários, a religião e a espiritualidade foi um dos fatores identificados como importante para o bem-estar”, refere.

O foco do seu trabalho está sobretudo em perceber o que é possível fazer através de “intervenções que façam com que a pessoa se sinta útil e tenha um sentido de vida”. “Às vezes são coisas muito simples, como por exemplo ter numa instituição de apoio a idosos um bom leque de atividades de estimulação, de lazer e de convívio social, que façam a pessoa ter aquele sítio para ir e estar – ter de se arranjar de manhã porque vai ter essa atividade”, explica.

Este texto faz parte do projeto “Longevidade: um novo desafio”, lançado pelo Expresso em 2022, em parceria com a Fidelidade e Novartis. Aqui publicamos um compacto desse texto

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