Carpinejar fala sobre o ‘Manual do Luto’, o livro mais vendido da Amazon

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Em ‘Manual do Luto’, autor aborda o modo como a sociedade se relaciona com a perda

Livro do poeta, jornalista e cronista gaúcho está no topo de mais vendidos da Amazon

Poeta, cronista e jornalista gaúcho; seu novo livro já vendeu 10 mil exemplares e está no topo da lista de mais vendidos da Amazon

Para o escritor, o melhor jeito de atravessar o luto é cumprir algo que quem morreu deixou por fazer

“Quero combater o preconceito que ronda o enlutado, que não tem tempo nem espaço para sofrer, para sentir falta de alguém. É forçado a se recompor rapidamente e a seguir adiante”

“Precisamos falar de nossos mortos, com os nossos mortos” Fabricio Carpinejar

Escritor

O novo livro de Fabricio Carpinejar, 51 anos, Manual do Luto, é, na definição do escritor, um ensaio sobre todas as dores do mundo – a perda dos pais, irmãos, filhos, amigos, companheiros. Autor de Depois É Nunca (2021), sua resposta à pandemia, o cronista gaúcho volta ao tema da morte nesta nova obra que, em menos de um mês nas livrarias, vendeu quase 10 mil exemplares e está no topo da lista de mais vendidos da Amazon.

Em Manual do Luto, lançado agora pela Bertrand, o autor reúne frases, conselhos e consolos para pessoas que estão vivendo uma perda ou procurando formas de conviver com ela. Sua ideia, ele conta, era combater o preconceito que cerca os enlutados e contestar algumas “inverdades” sobre o processo de elaboração do luto.

“A primeira delas é que, com o passar do tempo, o luto dói menos. Vai doer sempre. Alguns momentos mais do que outros, em especial nas datas comemorativas. A segunda é que você se recupera do luto. Você acomoda o pesar, mas ele não desaparece”, diz Carpinejar.

Trata-se de um livro que parte de suas inquietações sobre vida e morte, e sobre relações, mas que dialoga com outro projeto do autor. Carpinejar é parceiro de uma empresa que atua no segmento de cemitérios, crematórios e serviços funerários e escreve, semanalmente, uma carta que é enviada gratuitamente aos membros do Clube dos Corações Solidários.

Qual foi o seu objetivo ao escrever livros como Manual do Luto e Depois É Nunca? E qual é a relação deles com o projeto Clube dos Corações Solidários?

Ambos partem do princípio de que nenhum sofrimento é bobagem. Não menospreze o que é psicológico. O psicológico é muito mais potente do que o físico. Depois É Nunca foi uma resposta imediata ao período de tantas perdas da covid. Em seguida, eu me aprofundei nas implicações do luto com o Manual. Quis escrever um livro com a intimidade sussurrada de cartas, para combater o preconceito que ronda o enlutado, que não tem nem tempo nem espaço para sofrer, para sentir falta de alguém. A amnésia de viver para frente (jamais para os lados ou para trás) nos esvazia de gratidão. No Clube dos Corações Solidários, grupo gratuito de cartas com 28 mil inscritos, encontrei a entonação adequada para as reflexões. O luto muda os nossos olhos. Você poderia se recuperar do luto se permanecesse o mesmo de antes da perda. Como você se transformou, não tem como voltar. O luto é para a vida inteira, não é passageiro, não é uma doença, não é curável.

Quem você era no começo da sua carreira, e quem você é hoje? O que buscava e o que busca na literatura?

Sinceridade emocional. Você vai aprendendo a se essencializar com o tempo, a fazer uma bagagem cada vez menor, até se conformar com a roupa do corpo. Tudo o que li ou estudei me serviu para não ostentar na linguagem, para uma comunicação feita da singeleza.

Como você classifica a sua literatura? E como classifica Manual do Luto, em termos de gênero e conteúdo?

Conficções. Confissões como se fossem ficções. A memória é invadida pela imaginação. Não existe memória pura. Você vai fantasiando como forma de aceitar a realidade.

Manual do Luto está em primeiro lugar em vendas da Amazon. O que acha que isso significa?

Que as pessoas estão com coragem de amar, sem se reduzir aos condicionamentos e censuras do tabu. É um equívoco o veto silencioso da homenagem. Como se a morte atrapalhasse nossa rotina. O que você mais quer da vida? Ser lembrado. Então, se não valorizarmos o luto, qualquer existência não terá sentido nenhum. Você será apagado logo ao morrer. Há aquela máxima “a pessoa só morre definitivamente quando ninguém mais menciona o nome dela”. Precisamos falar de nossos mortos, com os nossos mortos.

Você pensa na morte?

O medo de morrer nasce com o filho. Antes deles, eu era inconsequente. Passei a cuidar de mim para estar mais com eles. De que modo eu me preparo? Pela paz dos momentos imperfeitos. Esbarrões já são abraços para mim. Aproveito cada olhar, cada pequena pausa. Eu me importo em ser possível, em ser real, em estar ali sem nenhuma compensação ou adiamento. Só espera recompensas quem ainda não viveu. Nosso erro é querer o tempo idealizado, as cédulas da existência, e assim desprezamos as moedas da existência. Se você não tem uma hora para encontrar um amigo ou familiar, acaba não indo. Perde de estar junto. Não vê que o essencial é a intensidade, o tempo emocional.

Você fala sobre colocar o luto a favor de um propósito. Qual propósito?

Colocar a dor para trabalhar, por um propósito. Você pode realizar projetos inacabados daquele que partiu. Ou uma viagem, ou uma promessa feita durante a relação. Os projetos não morrem. A melhor forma de atravessar o luto é cumprindo algo que a pessoa deixou de fazer. Há a herança, o patrimônio material, e há o legado, o quanto os bons exemplos do falecido determinam as suas ações.

Estamos falando de morte, mas tudo começa de uma certa forma com o modo como vivemos. Um luto pode ser recheado de saudade ou de culpa, de arrependimento. Você concorda? Alguma receita para viver melhor a vida e encarar melhor as despedidas?

Culpa é se arrepender de tudo o que não aconteceu, de tudo o que deixou de fazer por medo, ou comodismo, ou por uma miragem que teria todo o tempo pela frente. Saudade é feliz porque significa que esteve presente, tem o que lembrar. Na saudade do luto, você não chora apenas pelo outro, você ri alto, de um pensamento, de uma lembrança, conversa, situação engraçada, implicância, de um gesto de carinho. Você se pega rindo sozinho. A saudade também ri.

Você escreve sobre relações. E sua obra faz bastante sucesso. O que isso quer dizer? As pessoas estão precisando mais de apoio, de orientação, um caminho?

Eu tenho trabalhado para derrubar estigmas na família, a favor do cuidado dos pais na velhice, ou de um amor independente, alicerçado na gentileza. O romantismo cria uma ideia equivocada de dependência: fazer tudo junto a tal ponto que se sacrifica o contato individual com os amigos e a família. No fim, você não tem mais nada seu, tampouco sabe quem se tornou na relação. O romantismo catequiza para a renúncia e sacrifício, você prova amor deixando de ser, abdicando de seus prazeres pessoais. Nele, erros constantes são pagos com a fiança das juras, presentes e surpresas. É conspirar contra a honestidade diária .•

Compacto do O Estado de S. Paulo.

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