Prevenção para o “dr. alemão” (Alzheimer)

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O projeto Reminder, coordenado pela Universidade de Coimbra, assenta num programa de intervenção neuropsicológica. Promover estilos de vida “mais saudáveis” e “capacitar as pessoas de competências pessoais, emocionais e cognitivas para lidar com a perda cognitiva” são os objetivos, conforme explica ao Expresso a investigadora Ana Rita Silva

Cerca de 40% das demências podem ser prevenidas ou o surgimento atrasado se 12 fatores de risco forem trabalhados. Este foi o “quadro promissor” traçado pelo relatório da Lancet Commissions dedicado à doença, publicado em 2020, e que elenca os elementos potencialmente modificáveis: educação, hipertensão, obesidade, perda de audição, traumatismo cranioencefálico, consumo excessivo de álcool, tabagismo, depressão, sedentarismo, isolamento social, diabetes e poluição atmosférica.

O documento trouxe “muita esperança”, no sentido de se “perceber em que medida” seria possível agir relativamente ao controlo dos fatores de risco, conta ao Expresso a investigadora Ana Rita Silva, do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC) da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.

Foi também por essa altura que o projeto Reminder, que coordena, começou a ser desenhado: um programa composto por 20 sessões – que decorrem duas vezes por semana –, preparado por uma equipa multidisciplinar e dinamizado por neuropsicólogos, cujo objetivo é promover a saúde do cérebro e prevenir a demência.

Dirige-se a pessoas entre os 60 e os 75 anos que apresentem alguns dos fatores de risco e que “não tenham ainda declínio cognitivo considerado objetivo, ou seja, podem ter queixas de memória, por exemplo, mas nos instrumentos da avaliação inicial não revelam apresentar défices cognitivos significativos ou abaixo da norma para a idade e escolaridade”.

Isto porque, justifica a investigadora doutorada em neuropsicologia, “a eficácia não é assim tão elevada” quando se desenvolvem intervenções “já com um diagnóstico adquirido”. A prevenção é, então, a palavra-chave: é possível intervir em todas as dimensões, mesmo em doenças como a hipertensão e a diabetes, que “devem ser monitorizadas e podem ser modificadas”. “Embora sejam doenças, pode ser mitigado o efeito que têm na perda cognitiva.”

A perda auditiva, por exemplo, é referida no documento da revista científica Lancet como um dos aspetos que assume “mais peso no início do declínio cognitivo”, aponta Ana Rita Silva, mas ainda é “muito negligenciada pela população” – no caso dos participantes do Reminder, revelou ser um dos fatores de risco “mais desconhecidos”.

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MOTIVAÇÃO PARA MUDAR

Cada sessão do programa, com cerca de 50 minutos, inicia-se habitualmente com um “exercício de respiração tranquila”, seguindo-se a apresentação e discussão de um tema, juntamente com um exercício relacionado. Se o assunto for a atenção, o exercício poderá consistir na leitura de um texto por um dos participantes e os restantes identificarem o número de vezes que surge determinada palavra. No final, o grupo comenta o que foi abordado, numa espécie de síntese, e leva uma “tarefa para casa”.

Ana Rita Silva explica que realizar-se em grupo é um dos aspetos determinantes. “O efeito de grupo ajuda à mudança comportamental. Em contexto de grupo, as pessoas disponibilizam-se mais e estão mais abertas a fazer mudanças que lhes sejam benéficas do que numa intervenção individual. A partilha e a socialização favorecem a motivação para a mudança.”

“Não é porque um médico ou um nutricionista diz ‘tem de comer melhor’ ou ‘tem de fazer mais atividade física’ que uma pessoa se vai mobilizar nesse sentido. Tem de vir de uma motivação intrínseca e o programa está muito focado nisso”

O envolvimento ativo de cada um é essencial para atingir os objetivos de “promover estilos de vida mais saudáveis” e “capacitar as pessoas de competências pessoais, emocionais e cognitivas para lidar com a perda cognitiva quando acontece” – no intuito de obter “impacto a longo prazo”. “Não é porque um médico ou um nutricionista diz ‘tem de comer melhor’ ou ‘tem de fazer mais atividade física’ que uma pessoa se vai mobilizar nesse sentido. Tem de vir de uma motivação intrínseca e o programa está muito focado nisso”, afirma a investigadora.

As sessões começaram em março e terminam no final de maio, seguindo-se uma avaliação dos participantes em junho, para analisar resultados. Nesta fase inicial participam 20 pessoas, uma pequena amostra porque se trata de um “estudo de viabilidade”, em que se procura perceber de que forma o programa é “aceite pelas pessoas” – e, assim, “ainda pode ser alterado”.

AUMENTAR A ACESSIBILIDADE

Até agora, o balanço é positivo. “A adesão é o aspeto mais desafiante neste tipo de intervenções preventivas, uma vez que a população não está muito orientada para uma abordagem preventiva. Mas a verdade é que a adesão tem sido muito grande, não só das pessoas que se mostraram interessadas em participar no programa, mas depois na participação no próprio”, retrata Ana Rita Silva.

Os participantes pertencem a universidades seniores de Coimbra e à Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados, mas pretende-se que, numa segunda fase, sejam abrangidas pelo menos 100 pessoas de outras zonas do país. “O objetivo é que o programa seja estendido a outros contextos sociodemográficos e socioeconómicos, com outras características da população, para percebermos se funciona.”

Para tal poderá também contribuir a dinamização do programa à distância, através de videoconferência. “Muitas das vezes, as estruturas locais não têm profissionais que possam fazer este tipo de intervenções, o que é um bloqueio a que se implementem no terreno, principalmente onde temos população em maior risco”, explica a investigadora. “As intervenções devem ser locais em termos de aplicação, mas devem ser disseminadas. A prevenção deve ser algo alargado e acessível a todos.”

No futuro, a ideia passa ainda por ter “um manual e uma formação preparados para que os profissionais que estão no terreno nos vários contextos, mais ou menos citadinos, mais ou menos rurais, possam aplicar o programa de forma totalmente autónoma à sua população”. Portugal contabilizava 193.516 pessoas com demência em 2018, prevendo-se que este valor suba para 229.914 já em 2025 e para 346.905 em 2050, de acordo com dados da Alzheimer Europe.

Expresso50 (Portugal)

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