Sala de Aula _ O Piloto Automático está acelerado?

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Você já conversou com uma pessoa e, distraída, acabou percebendo que não ouviu nada do que ela disse? Você já almoçou enquanto mexia no celular e nem notou o que comeu, porque não estava presente e mal sentiu o gosto da comida? Você já tomou banho desatenta e de repente se deu conta de que não sabia se já havia lavado o cabelo ou não?

É provável que você se tenha identificado com alguma dessas situações. São muitas as atividades que realizamos de forma automática no dia a dia – escovar os dentes, tomar banho, fazer uma refeição. Christian Haag Kristensen, professor de Pós-graduação em Psicologia da PUC-RS, explica que quando, em nosso cérebro, um processo se torna mais automatizado, significa que necessitamos despender menos “energia”.

“Os processos mais automatizados necessitam de menor direcionamento de recursos de atenção, menos esforços conscientes, por assim dizer, para que uma determinada tarefa seja executada. Dessa forma, ao precisarmos exercer menor controle mental para o gerenciamento de tarefas, podemos ter recursos (de atenção, de memória, etc.) disponíveis para outras atividades”, diz. Um exemplo é quando estamos aprendendo a dirigir. No início, precisamos de muita atenção em processos básicos. Na medida em que essas tarefas (trocar marcha, por exemplo) se tornam procedimentos de rotina, podemos focalizar a atenção em outros aspectos, como o ambiente a nossa volta, outras pessoas no carro, etc.

Ainda que seja comum realizar essas atividades de maneira mecânica, não precisa, necessariamente, ser assim. “O que torna uma ação automática ou não se relaciona ao modo como interpretamos o nosso corpo em relação ao tempo e à vida.” Essa é a visão de Elaine Moraes, psicóloga e integrante do Desacelera SP, iniciativa que desenvolve trabalhos voltados para consciência temporal na cidade. Para entender melhor como se dá esse processo, ela reflete sobre os principais adoecimentos mentais deste século: depressão, estresse e ansiedade. Todos remetem a uma distorção de aspectos relacionados à experiência da temporalidade.

No caso da depressão, é possível identificar uma fixação no passado, enquanto as queixas de estresse se apresentam como uma sobrecarga gerada no tempo presente. Já na ansiedade, vemos um sofrimento que ocorre por uma antecipação do futuro, uma preocupação excessiva pelo que ainda não aconteceu. “Embora o diagnóstico de cada uma dessas patologias seja muito mais complexo e não tão linear assim, compreender como nos relacionamos com o tempo na sociedade contemporânea é chave para sair do automático”, ressalta. “A rotina pode ser uma experiência autêntica, repleta de sentidos atribuídos pela presença no aqui-agora e pelo desenvolvimento de uma percepção de tempo mais cíclica e atenta ao corpo”, completa.

A psicóloga avalia que um dos grandes obstáculos para se manter presente é o vício tecnológico. O bombardeio de informações, propagandas e imagens que “metralham” nossos olhos diariamente vem gerando um padrão de concentração baseado na distração concentrada. “Esse estado de excitação e inquietação mental produzido pelas telas deixa as pessoas muito mais voltadas para esses estímulos externos e visuais, atrofiando a capacidade de concentração interna, reflexiva e consciente do momento presente.”

Falta de presença nos tira da excelência

Um estilo de vida acelerado e sem presença pode acarretar diversos prejuízos. Para Déborah Aquino, especialista em desenvolvimento humano, a falta de presença nos tira da excelência. “Gosto do conceito do professor Clóvis de Barros Filho, que afirma que excelência é alocar todos os seus recursos numa determinada atividade, fazendo o que pode ser feito, com o que você tem no momento. Considerando essa ideia, são pouquíssimas as pessoas que são realmente excelentes nas diversas áreas da vida”, observa.

Segundo a especialista, a desconexão com o momento presente afeta a carreira, prejudicando o pensamento criativo e o foco na solução e em novas ideias. Nas relações com amigos e familiares, são grandes as possibilidades de que elas sejam superficiais e distantes. “Sem presença você não escuta, não olha nos olhos, não entende as necessidades emocionais das pessoas que são importantes para você”, enfatiza.

Já na saúde, o impacto também é enorme. “Quem é acelerado não come direito, porque está sempre com pressa e, consequentemente, come além da conta. Quem não tem presença, deixa de sentir, não sabe lidar com as emoções. Além disso, não dorme bem, não tem paciência para respirar”, enumera.

E a que devemos estar atentos para evitar uma vida no “piloto automático”? Falhas de memória, dificuldade em concentração, irritabilidade, senso de urgência para tudo (já reparou quantas vezes temos pressa e nem sabemos o motivo?), culpa por descansar e ser multitarefa são alguns indícios. “Nosso cérebro não suporta tanta coisa ao mesmo tempo. Ele ‘buga’. E quando isso acontece, ele escolhe o caminho mais fácil. E esse caminho, definitivamente, não é o caminho da consciência”, ressalta Déborah Aquino. A solução? Fazer uma coisa por vez.

“Se você vai comer, ‘só’ coma! Nada de celular ou qualquer outra atividade com a comida. Se vai brincar com seu filho, ‘só’ brinque! Sem falar no telefone, sem conversar com outra pessoa. Viver de forma consciente significa trazer presença para tudo o que vamos fazer.”

Compacto do Estadão Digital

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