Um Brasileiro Ilustre (2) Secretário Alexandre da Silva

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Admirável é o adjetivo que me ocorre para ele, Alexandre da Silva, 45 anos, de Jundiaí, SP, ‘à frente da Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa,  escolhido dia 2 de janeiro, pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida. Outro Brasileiro admirável. Esta entrevista foi publicada no site https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/entrevista/o-racismo-que-se-perpetua-na-velhice, antes de sua posse. É da brilhante jornalista Lícia Oliveira. Não quero privar os leitores desse trabalho maravilhoso. Como a entrevista é longa, vou publicá-la em capítulos. (final)

Como o SUS acolhe essa população idosa negra?

Os serviços também não acolhem bem essas pessoas. Há o acúmulo da pessoa que é negra, que pode ser pobre, que pode morar em um bairro periférico, que talvez não tenha um vestuário considerado adequado e agora é uma pessoa velha. E ainda pode ser fora do padrão magro, por exemplo. Quando a pessoa vai usar os serviços não é tão acolhida, não há a adesão. Quando falamos de precarização do SUS, é preciso entender que, em alguns casos, são de 75 a 80% de pessoas idosas negras usuárias do SUS. Então, o SUS pode ser considerado um território negro também. É constantemente ameaçado e é algo importante na vida dessas pessoas. É preciso mais profissionais de saúde mental, de reabilitação, como fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, assim como precisamos falar de lazer e atividades físicas. Em outro estudo que fiz com dados do ELSI Brasil (Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros – Fiocruz/MG), as pessoas negras (pretas e pardas) e as indígenas são aquelas que mais percebem que são discriminadas no local onde residem em razão da cor, ou etnia no caso dos indígenas, ou por causa da sua idade, ou seja, é algo que já se internalizou. E uma vez que internaliza, também gera mais adoecimento.

E quais são as maiores dificuldades para aqueles que conseguiram envelhecer, visto que já percorreram um caminho difícil até alcançar mais idade?

Chegando à velhice, os problemas são diversos. Muitos estudos já mostraram a morte precoce de filhos e filhas. Também é comum falar na feminização da velhice, com os homens morrendo mais cedo. Mulheres têm, historicamente, construído melhor essa questão do cuidado. A violência afeta os homens negros, mas a cultura de não se cuidarem, marcada pelo machismo, também é um problema. É muito comum que pessoas negras envelheçam sozinhas. Quando uma pessoa envelhece sozinha, perder alguém de sua geração, como irmão, irmã, companheiro ou amigo de longa data, é perder sua história também. O que se pode afirmar sobre o lazer e a qualidade de vida dos idosos negros?

Dá para pensar que as pessoas negras quando envelhecem, tendem a envelhecer mais sozinhas e tendem a não ter aprendido o lazer. Pessoas idosas negras (pretas e pardas) foram aquelas que, durante a vida, menos convidaram alguém para ir a suas casas. Não têm esse hábito. Muitas trabalham, mesmo com problemas de saúde, com incapacidades funcionais, com dificuldades para andar, levantar ou lavar um prato. Mas elas precisam trabalhar porque senão não conseguem pagar as despesas. Veja que é uma situação muito complicada, quando essa pessoa se aposenta e acha que vai poder fazer muita coisa que não fazia antes, porque o dia era ocupado com uma série de atividades. Essa pessoa negra envelhece e fala: “eu vou com quem? Eu vou para onde?”. Outra questão é a de um corpo que foi hiperssexualizado lá atrás e agora não é mais desejado. É comum essa tendência de assexualizar a pessoa idosa.

Como a pandemia de covid-19 impactou a população negra, principalmente idosa?

Para além da morte física, que foi proporcionalmente maior para a população negra em todas as faixas etárias, há o comprometimento de todo o envelhecimento. A gente corre o risco de novamente ter o déficit educacional, pois os dados já estão mostrando que esses dois anos geraram diferenças para crianças e adolescentes na escola, que, consequentemente, irão carregar isso na sua fase adulta e para o seu envelhecimento. Se não bastasse a morte física, existe também a morte social: a morte de um parente da mesma idade, de um filho, uma neta. E para quem tem vínculo afetivo, é horrível, é injusto.

Como o racismo impacta na saúde mental da população negra idosa?
O que dá para dizer é que o diagnóstico continua sendo tardio e o tratamento incompleto para essa população idosa negra. Pode ser um pouco por uma visão estereotipada, pode ser pela família que não identifica que esse é um problema sério. Eu ouvi de uma senhora recentemente, em Campinas, que ela ficou durante 13 anos cuidando da mãe sem saber que ela estava com Alzheimer. É impressionante como os profissionais de saúde não conseguiram perceber o que estava acontecendo. E esta filha era doméstica, saía de casa para trabalhar e só voltava à noite, e os vizinhos ajudavam essa senhora a cuidar da mãe. Quantas coisas ocorreram e que não precisavam? Ela não foi acolhida adequadamente, a família ou a comunidade talvez a tenham violentado, que seja verbalmente, sem saber que ela estava doente. Ela até poderia estar com hipertensão, diabetes, dor nas costas, dor no joelho, tudo controlado, mas ela estava em sofrimentoQuais são os danos provocados pelo racismo sofrido a vida inteira?

Ele vai manejando muitas vezes com alterações fisiológicas. São as condições de vida que geralmente geram o estresse: o dinheiro que está faltando para pagar o aluguel; se vai dar para comprar carne, se vai dar para levar tudo o que colocou no cestinho de compras. É saber se o filho ou a neta vão chegar em casa, porque já passou meia hora do horário normal de retornarem. É aprender também vendo as notícias de que lá fora alguns corpos não são tão respeitados assim. Todos esses estresses vão gerar uma alteração no nível celular e fazer com que a célula replique menos vezes e morra mais cedo. Pessoas negras são constantemente invadidas, atravessadas por esses estresses do dia a dia. Quando se fala que envelhecer, sendo uma pessoa negra ou indígena, é um privilégio, é nesse sentido — enquanto para outros, é uma garantia.

Como as políticas públicas podem contribuir para enfrentar o racismo e ajudar as pessoas negras a envelhecerem com mais qualidade de vida?

Todas as ações que possamos fazer para reduzir a discriminação pela idade e pela cor da pele serão bem-vindas. Se pensarmos no campo da saúde, como é que nossas práticas e nossos saberes são ainda marcados por conceitos construídos pelo racismo? Estou falando de equidade: ajudar mais a quem precisa mais. É ter os dados sobre raça/cor bem preenchidos para entender por que essa população está morrendo. E por que não se ensina a preencher corretamente esses dados? Por que não tornamos os espaços, não só de saúde, mas sociossanitários, mais acolhedores com essas pessoas idosas negras? Historicamente eles passaram por dificuldades. São pessoas que ganham menos, dependem mais da casa alugada, não têm formação, precisam trabalhar. Em alguns municípios, existem espaços culturais próximos, mas a pessoa idosa aprendeu que não é para ela. Então ela passa batido: “Não é comigo, nem sei o que é isso”. A gente não pode ficar acomodado com isso. Não pode naturalizar que um grupo de pessoas tenha dificuldades para envelhecer adequadamente porque está faltando o básico e o que lhe é de direito e da sua vontade.

Revista Radis, Fiocruz

 

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