A Avó Veio Trabalhar, uma ONG portuguesa cheia de vida

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OLD IS THE NEW YOUNG é o lema. O Velho é o Novo Jovem.

As participantes do projeto fazem questão de enfatizar: “Não é um asilo, não”.

Ao passar no Largo Mendonça e Costa, em Lisboa, há umas portas pintadas de verde que cativam a atenção de quem passa. Ao entrar, as cores continuam a destacar-se. Numa mesa comprida, várias senhoras dedicam-se às tarefas de bordado, concentradas, mas num burburinho constante. É o ambiente no “hub criativo” A Avó Veio Trabalhar, como lhe chamam os fundadores Susana António e Ângelo Campota.

Aqui aliam-se os lavores tradicionais às novas tendências, num espaço em que “qualquer pessoa que tenha 60 anos ou mais pode participar”, num “regime livre”, ou seja, “vem quando quer”, explica Susana, designer de formação. Atualmente, são cerca de 70 as inscritas. Desde peças bordadas ou tricotadas, mais ou menos típicas, em maiores quantidades ou em produtos únicos, o que as avós fazem é “sempre diferente do que estavam habituadas a fazer, por ter esta imagem divertida, fresca, que muitas vezes está apenas ligada à juventude”.

Os dias são “todos diferentes”, com “desafios todos eles criativos, mas muito díspares uns dos outros”, indica Susana. Neste momento, o foco do trabalho das avós está em 60 retratos bordados que “celebram a beleza da idade” e que serão expostos na Design Fest, em Gent, na Bélgica. Oito das avós vão viajar para marcar presença no evento, que decorre entre 22 de abril e 1 de maio.

 

Uma delas é Rosário, de 86 anos, uma das mais velhas do grupo. “Se calhar, muitas pessoas diriam que é uma loucura, mas temos de viver. Este projeto tem a capacidade de lhes mostrar que é possível continuar a sonhar com o futuro e não com o passado”, considera Susana. Parca em palavras mas de sorriso no rosto, Rosário conta ao Expresso que participa no projeto “há cerca de três anos” e que gosta de “tudo” ali. Há semanas em que frequenta o espaço todos os dias, noutras vai dois ou três dias. “Sou viúva, vivo sozinha e aqui é outro ambiente. Sinto-me bem aqui.”

Susana António e Ângelo Campota acreditam que “a criatividade é a melhor maneira de estimular qualquer pessoa, principalmente nesta idade, a sair da sua zona de conforto, a redescobrir-se e a ser valorizada pelas suas famílias, pelos netos, pelos vizinhos”. Isabel concorda. “Sentimo-nos valorizados. É valorizado o trabalho das pessoas mais velhas e podemos fazer tudo.”

Neste espaço, ao contrário do que frequentemente acontece, o envelhecimento não é encarado de forma negativa. “O que sentimos é que quando as pessoas olham para as nossas avós, veem este lado feliz de envelhecer”, indica Susana António. Por isso é que logo à entrada se lê que são “especialistas em otimismo”. “É exatamente isto que nós queremos mostrar, um copo meio cheio. A idade tem de ser vista como um superpoder, um valor e não como uma maldição.”

As avós querem continuar a ser “embaixadoras de envelhecimento feliz”, apesar dos constrangimentos provocados pela pandemia de covid-19. Durante os períodos de confinamento, tiveram de se reinventar: com kits “do it yourself”, continuaram a produzir peças em casa, criaram máscaras pintadas à mão e até dinamizaram workshops no Instagram. O regresso ao espaço está a acontecer gradualmente, mas nem sempre é fácil. Susana conta que “muitas das avós já voltaram”. “Infelizmente, muitas voltaram bastante deprimidas, principalmente aquelas que se isolaram muito, algumas foram para a terra e não tinham como socializar.”

 

Para Susana, “o elemento mais perigoso quando se envelhece é o medo, a perda de coragem, de sair da zona de conforto, de fazer coisas novas”. O projeto mostra às avós aquilo que elas “ainda conseguem fazer e que achavam que já não conseguiam”, o que até as pode surpreender. As campanhas em que participam, com “lábios vermelhos” ou “vestidos coloridos”, também lhes mostram que “são bonitas agora, com as rugas que têm, com o cabelo branco, e que a beleza não é só aos 20 anos”, defende.

Na casa dos 20 anos está Nicole: tem 22 e está a estagiar neste projeto, no âmbito do curso de ilustração e produção gráfica que frequenta na Escola Superior de Artes e Design, nas Caldas da Rainha. Tem sido uma experiência única porque, até agora, não tinha “nenhum exemplo nem referência” nestas faixas etárias. “Nunca tive uma avó, nem da parte do meu pai nem da minha mãe. Ter uma conexão com uma pessoa que teria a idade da minha avó é uma coisa nova”, explica. Sente que “não há nenhuma barreira, as conversas fluem de forma natural” e já consegue “perceber o que é o amor de uma avó ou como é que pessoas desta idade ainda conseguem ser criativas”.

Para Isabel, esta dinâmica foi “fundamental” num período específico da sua vida. “Estava toda contente com a reforma, mas depois da reforma (aposentadoria) adia-se tudo. Como estou reformada posso fazer depois e, às tantas, dás por ti e estás em casa a comer bolos, a engordar e a deprimir. Quando surgiu esta ideia de vir para aqui, renasci outra vez.”

https://expresso.pt/longevidade/2022-04-26-A-Avo-Veio-Trabalhar-um-exemplo-de-envelhecimento-feliz-7dcf7b14

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