A demência de meu pai na pandemia

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Mas uma barreira pessoal ainda permanecia. Meu pai sempre me disse: “Prometa, Sue, que nunca vai me colocar em uma casa de repouso”.

Escrever este parágrafo já me traz lágrimas e a dor física de não ter conseguido manter minha promessa.

Primeiro, meu pai entrou em uma pequena casa de repouso para avaliar todas as suas necessidades. Foi em março de 2020.

Dois dias depois, o Reino Unido anunciou seu primeiro lockdown. E, em vez de duas semanas, ele ficou lá por seis meses.

Limpar seu apartamento foi deprimente. Era como retirar os pertences de alguém depois de ter morrido – mas ele estava vivo. Apenas não era a pessoa que um dia eu conheci. Era o Pai de Schrödinger.

Minha culpa disparou quando a covid-19 se espalhou pelas casas de repouso no Reino Unido e em todo o mundo. Meu pai contraiu a doença e, surpreendentemente, livrou-se dela em questão de dias.

Mas fiquei preocupada com sua saúde mental – um homem social que não podia mais ver a família ou os amigos pessoalmente durante o lockdown ou quando havia surtos de covid ou restrições na casa.

Quando as visitas retornaram, viajei mais de 300 km para vê-lo por 30 minutos atrás de uma janela de vidro. Não pudemos nem segurar as mãos.

“Sabemos desde antes da pandemia que o isolamento social é um fator de risco para a demência”, afirma Sancho.

“Quando as pessoas são socialmente ativas e conectadas com a comunidade, é bom para sua saúde mental, comunicação e habilidades sociais. O isolamento social não é bom para a saúde mental das pessoas.”

O ano que se seguiu foi um período de dúvidas implacáveis. Ao mesmo tempo, eu estava lidando com o meu próprio diagnóstico de autismo, que acabaria se confirmando.

Em algumas visitas presenciais, ele estava quase normal. Outras vezes, ele mal conseguia falar – eu segurava sua mão e tocava Puccini, um dos seus compositores favoritos.

Mas também surgiam vislumbres de esperança – se não para nós, para as famílias que vierem a enfrentar a demência no futuro.

Eu descobri que a Holanda desenvolveu a experiência pioneira da “cidade da demência” em 2009, formada por duas enfermeiras que queriam uma experiência diferente para seus próprios pais idosos.

Mais de 150 pessoas com demência vivem agora em Hogeweyk, uma comunidade fechada que recria artificialmente o ambiente de uma pequena vila, com supermercado e restaurante cujos funcionários são cuidadores.

No ano passado, uma empresa privada chamada Richmond Villages adotou o modelo holandês para construir a primeira “cidade da demência” no Reino Unido, ainda que em escala muito menor – seis apartamentos com cuidadores disponíveis para ajudar no que for necessário.

“Tentamos fazer com que eles preparem sua própria comida no apartamento e lavem suas roupas, como se faz quando se mora em casa”, segundo a diretora-gerente Philippa Fieldhouse.

Esta independência trouxe benefícios surpreendentes, segundo Fieldhouse.

“Eles ficam muito mais tranquilos e existe muito mais interação”, ela conta.

“Tivemos famílias que vieram e encontraram seus parentes cozinhando novamente e cuidando do jardim. Estamos descobrindo que podemos cuidar melhor deles quando estão contentes e mais bem instalados.”

Compacto da BBCNews Brasil

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