Aprendendo a envelhecer: um brasileiro fora da curva

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Que Brasileiro fora da curva é este? É o que sai (fantasticamente) do padrão. Do destino.

Vou contar a história do sr. José Carlos. Ele veio fazer uma pequena obra na área de serviço na semana passada e, nos intervalos, contou a história da sua  família.

José Carlos já passou dos 60 anos. É magro, baixo e moreno. Trabalha em obra  sozinho com zelo e rapidez. Muito educado,  só conversa se a gente puxa o papo. Ele só não trabalha um dia por semana, quando visita a mãe, de 98 anos (saudável e lúcida) no prédio da família, em Santa Isabel, São Gonçalo.

Ele repetiu o destino dos migrantes do Nordeste que vieram magros e com fome para o Rio de Janeiro e São Paulo. Até certo ponto. Com 15 anos, ele e o irmão viraram os responsáveis pela mãe e seis (6) meninas. O pai faleceu. Trabalhou na roça, na construção da Ponte Rio_Niterói, em várias obras. Desistiu de alguns trabalhos porque era proibido estudar. Fez Senai e se formou num mestre de obras. Artesão.

Mudou com a mãe e as meninas para um bairro perigoso do Rio. Ele ainda não havia encontrado Fátima Cristina, com quem se casou mais tarde e teve 2 filhos.  Na periferia, os tiros cruzavam o ar e às vezes entravam pelas casas.

José Carlos ganhou uma gratificação significativa da obra que seria paralisada. O dono disse que os operários podiam ficar com toda a fiação, descascar e vender o cobre. A esta altura, o irmão mais velho sofreu um acidente e não pode mais trabalhar. Quem iria ser o homem da casa?

O dinheiro da gratificação estava todo na mala e na volta do trabalho, ele viu uma casa espaçosa anunciada na rua Darke de Matos, em Higienópolis.  Desceu do ônibus, encontrou o proprietário e comprou o casarão, 4 quartos, 3 banheiros, um quintal enorme e duas lojas incluídas.

As seis estavam estudando, passando de ano, entrando para a faculdade. Uma contadora, uma médica, uma professora, uma pequena empresária, e mais duas fazendo os estudos. As meninas começaram a trabalhar, as lojas foram alugadas e José Carlos casou. Comprou apartamento em Alcântara, São Gonçalo, e continuou a trabalhar com a esposa, educou os dois filhos, que foram para a faculdade e estão bem empregados. A menina fala 4 idiomas e trabalha no Rio. O rapaz é sócio de uma pequena construtora em Niterói.

Como a mãe dele ficou sozinha no casarão, José Carlos, alugou a propriedade e as lojas e com essa renda deixou sua mãe e a irmã solteira num outro prédio, em Santa Isabel, região metropolitana do Rio, com um terreno que toma 2 quarteirões. Aí, duas irmãs construíram e uma terceira fez um apartamento sobre a laje da mãe. Sobrou um quintal enorme para as festas e encontros da família.

Todos os anos, os filhos e etc …  ( mais de 70 pessoas) e convidados celebram São João com barraquinhas, quadrilha e quentão. No final da festa, já amanhecendo, cada um arma a sua rede ou estende a esteira no chão. 

De todas as notícias que publiquei nos 11 anos que escrevo e estudo o envelhecimento brasileiro, a história de José Carlos me impressionou muito. Ela percorre  todos os estágios dos  pobres que viajam no “pau-de-arara”, com a roupa do corpo, para as grandes capitais.

Ele, o irmão  mais velho, sua mãe e as seis meninas conseguiram dar a volta por cima e deixaran o destino para trás.   Continuaram unidos, nas festas,  nos tempos de luto,   no tradicional Dia de São João. Sua mãe  prestes a completar 98 anos, é  sempre o centro dos carinhos  e cuidados. Lúcida e amorosa com a família que construiu, fora da curva do destino dos migrantes nordestinos do Rio e de São Paulo.

Thereza Christina Pereira Jorge

foto  ilustrativa

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