Consequências do Envelhecimento brasileiro

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Tendência afeta tamanho de imóveis, relações de consumo e uso de recursos naturais

Dados do IBGE mostram que entre 2012 e o auge da pandemia, em 2020 e 2021, o número de brasileiros que moram sozinhos cresceu 43,7%, saltando para 10,785 milhões de pessoas. A tendência de domicílios “unipessoais” pode estar relacionada ao envelhecimento da população. Rio e Rio Grande do Sul concentram a maior proporção de pessoas com 60 anos ou mais. Como em outros países, o aumento da renda, a urbanização e o avanço da igualdade entre homens e mulheres explicam o fenômeno. Entre os possíveis efeitos dessas mudanças estão novos estilos de vida, que afetam o tamanho dos imóveis, as relações de consumo e o uso de recursos naturais. O fenômeno também exige mudanças nas políticas públicas de saúde.

Há 10,7 milhões nessa situação; envelhecimento da população e novos estilos de vida trazem impactos para tamanho de imóveis, relações de consumo e uso de recursos naturais

Quando a pandemia da covid19 se abateu sobre o Brasil, em 2020 e 2021, encontrou 10,785 milhões de brasileiros morando sozinhos, conforme mostram dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi um crescimento de 43,7% na comparação com 2012. Segundo o instituto, a tendência de domicílios “unipessoais” pode estar relacionada ao envelhecimento da população, com mais idosos vivendo sozinhos. Entre os possíveis efeitos dessas mudanças, estão novos estilos de vida, que afetam o tamanho dos imóveis, as relações de consumo e o uso de recursos naturais. O fenômeno também exige mudanças na forma como as famílias lidam com o cuidado dos mais velhos e nas políticas públicas de saúde para idosos.

Conforme o estudo Característica Gerais dos Moradores 2021, feito com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgado ontem, Rio e Rio Grande do Sul concentram a maior proporção de pessoas com 60 anos ou mais. São também os Estados com maior proporção de lares com apenas uma pessoa – 18,4% do total de domicílios fluminenses e 18,3% entre os gaúchos. A taxa brasileira é de 14,9%. “O envelhecimento populacional pode contribuir, sim, para o aumento dos domicílios unipessoais”, afirma Gustavo Fontes, analista do IBGE.

Como em outros países, o aumento da renda, a urbanização e o avanço da igualdade entre homens e mulheres, em meio às mudanças culturais, explicam o crescimento do hábito de morar sozinho. Mas no Brasil o crescimento da proporção de pessoas idosas, com queda no número de nascimentos e aumento da longevidade dos mais velhos, pesa mais. Segundo o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE, isso ocorre porque o envelhecimento tem sido muito mais rápido por aqui do que nas nações desenvolvidas, sobretudo Europa.

Os dados divulgados confirmaram o avanço do envelhecimento em 2020 e 2021. Segundo Alves, embora os homens sejam a maioria entre os habitantes dos lares com apenas um morador, o crescimento de longo prazo desse arranjo tem sido puxado pelas mulheres. “É mais uma questão demográfica. Está aumentando a longevidade, e existe uma diferença muito grande na longevidade entre homens e mulheres”, afirma Alves, explicando que elas vivem mais por causa do estilo de vida mais cauteloso, que passa tanto pelo fato de os homens responderem pela larga maioria das vítimas de mortes violentas – assassinatos e acidentes de trânsito – quanto pelo hábito de cuidarem mais da saúde.

ADAPTAÇÕES. Para a psicóloga Laura Machado, especialista em gerontologia, o aumento do número de idosos morando sozinhos exige adaptações tanto das famílias quanto das políticas públicas, especialmente no caso das pessoas com idade mais avançada, que começam a enfrentar dificuldades cognitivas e de mobilidade. Tradicionalmente, as pessoas se mudavam para cuidar dos mais velhos, mas, com o avanço da urbanização, as famílias brasileiras acabaram mais “pulverizadas”. Filhos e netos têm longas jornadas de trabalho, e a vida nas grandes cidades dificulta as mudanças.

“Nas políticas públicas, não temos um sistema eficaz de atendimento domiciliar”, afirma Laura, completando que em países desenvolvidos, como na França, há programas de atendimento domiciliar para monitorar o “risco” dos idosos em idade avançada que vivem sozinhos e dar apoio aos que têm dificuldades. Ainda nos países desenvolvidos, segundo a psicóloga, o uso de instituições de longa permanência para os idosos é mais difundido. No Brasil, mesmo o sistema privado de saúde é pouco preparado, na avaliação dela.

Laura lembra ainda que a crise sanitária da covid-19 teve um impacto “muito importante”. Ela verificou muitos casos de idosos que tiveram perdas cognitivas e de mobilidade por causa do isolamento social.

OPÇÕES. O historiador Lund de Castro Lobo, de 26 anos, tem família em São Paulo, mas desde março de 2021 mora sozinho, em um apartamento na Vila Mariana, zona sul paulistana. “Foi uma opção. Acho que o que me levou a morar sozinho é que tenho um temperamento muito próprio. Durante a pandemia, o convívio constante exacerbou problemas normais de convivência e a necessidade de um espaço próprio ficou mais intensa”, disse.

E morar sozinho não é sinônimo de evitar um relacionamento estável. A designer de semijoias Liz Guedes, de 50 anos, de Sorocaba, é divorciada há mais de dez anos e mantém um relacionamento estável com um empresário de Salto, cidade próxima. Cada um, porém, mora em sua casa. O casal fica junto nos fins de semana. “É opção nossa. Mais dele até do que minha. Às vezes, durante a noite, sinto falta de uma companhia, mas também prezo muito pela minha privacidade”, diz ela, que tem dois filhos já casados.

RISCO AMBIENTAL. A nova tendência, porém, traz impactos ambientais. Artigo de pesquisadores da Universidades de Leeds, do Reino Unido, e de Aalborg, da Dinamarca, mostra que ter cada vez mais pessoas morando sozinhas aumenta os desafios de conter o volume de emissões de gases de efeito estufa. Cada casa, por exemplo, tem uma máquina de lavar ou uma geladeira. O trabalho foi publicado no jornal Buildings and Cities.

O Estado de S. Paulo

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