Brasil no futuro é feminino, idoso e negro

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O futuro do Brasil é feminino. É também, cada vez mais, idoso e negro.

Predominantemente masculina e jovem até os anos 1940, a população brasileira vem se transformando em ritmo equivalente ao de países asiáticos.

E as mulheres, que demoraram muito mais do que os homens a poderem votar, hoje também superam numericamente os eleitores masculinos — além de impulsionarem o crescimento da população economicamente ativa do país.

Essas e outras mudanças ao longo dos últimos dois séculos — desde a proclamação da Independência, em 1822 — são detalhadas pelo demógrafo José Eustáquio Diniz Alves no livro recém-lançado Demografia nos 200 Anos da Independência do Brasil e cenários para o século 21.

Por décadas, o país recebeu um influxo de pessoas que eram majoritariamente do século masculino, desde pessoas escravizadas vindas da África até imigrantes vindos de países como Japão e Itália, em uma estratégia do governo para “branquear a população” após a abolição da escravidão.

O foco no fortalecimento da força de trabalho, fosse ela escravizada ou livre, foi um dos principais motivos para que até meados do século 20, o pêndulo demográfico no Brasil pendesse numericamente para os homens.

Com os avanços socioeconômicos do país, a mortalidade infantil caiu e a expectativa média de vida, que era apenas de 25 anos na época da Independência, subiu para 75.

Ao mesmo tempo, o número de filhos por mulher, em média 6,2 em 1940, caiu para 1,7 em 2020. Essa mudança, chamada de “transição da fecundidade”, “é considerada uma das transformações sociais mais importantes e mais complexas”, escreve Diniz Alves, cujos levantamentos embasam os gráficos desta reportagem.

“Durante a maior parte da história brasileira, as taxas (de natalidade) eram altas para se contrapor às elevadas taxas de mortalidade e porque as famílias desejavam muitos filhos, já que as crianças traziam mais benefícios do que custos para os pais. Porém, (…) os custos dos filhos subiram e os benefícios diminuíram. Os filhos deixaram de ser um ‘seguro’ para os pais, que passaram a contar com o sistema de proteção social e previdência. Essa transição tem um grande impacto nas famílias e na sociedade, pois muda a relação entre as gerações e modifica a estrutura etária.”

A combinação de menos bebês nascendo e pessoas vivendo mais significou o crescimento da proporção de idosos no país. E a balança da longevidade pendeu para o lado das mulheres.

Em todo o mundo, segundo Diniz Alves, os homens são menos longevos: são proporcionalmente mais atingidos pela violência urbana e tendem a cuidar menos da saúde. Mas, na América Latina em geral, Brasil incluído, o fenômeno é mais acentuado.

Um exemplo disso é o fato de que 90% das vítimas de homicídio e latrocínio do país em 2021 foram do sexo masculino, de acordo com o mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Homens também são a maioria das vítimas fatais dos acidentes de trânsito. Um levantamento do Detran paulista em 2020 apontou que 93% dos mortos em colisões no Estado eram do sexo masculino.

O documento Dados da Morbidade Masculina no Brasil, elaborado em 2015 pelo Ministério da Saúde, aponta que eles respondiam por 68% das mortes na faixa etária entre 20 a 59 anos.

As principais causas de morte nessa faixa etária foram lesões, envenenamento e outras consequências de causas externas; doenças do aparelho digestivo; doenças circulatórias, infecciosas, parasitárias e respiratórias.

“O sexo masculino possui os piores índices de morbimortalidade, e ainda assim não tem o hábito de procurar os serviços de saúde de forma preventiva”, diz o Ministério em um boletim epidemiológico de 2022.

Como resultado dessa conjuntura de fatores, os homens brasileiros passaram a viver, em média, 7,1 anos a menos do que as mulheres.

“O Brasil teve mais homens em boa parte da sua história, até cerca de 1940. Hoje, porém, temos cerca de 5 ou 6 milhões de mulheres a mais”, explica Diniz Alves à BBC News Brasil.

Os homens também foram mais impactados pela pandemia de covid-19, que reduziu em quase dois anos a expectativa de vida média dos brasileiros.

Segundo um estudo da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos EUA, coordenado pela demógrafa Márcia Castro, a pandemia ampliou em cerca de 9,1% a diferença na expectativa de vida entre homens e mulheres.

Com isso, homens estão vivendo cerca de 1,57 ano menos e mulheres, 0,9 por conta da pandemia.

Maioria nas eleições

Esse fenômeno demográfico já tem grandes implicações eleitorais.

Gráfico de mulheres no eleitorado
Compacto da BBC Brasil

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