Envelhecimento se acelera no Brasil e expõe rede de saúde despreparada

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Porcentual de pessoas com 65 anos ou mais chegou a 10,9% da população; apesar de esperada, País não se programou para mudança

 

 

Uma nova rodada de resultados do Censo de 2022 mostra que o porcentual de pessoas com 65 anos ou mais no País chegou a 10,9% da população, alta de 57,4% em relação aos números de 2010, quando os idosos representavam 7,4% do total. Apesar de esse cenário ser esperado há anos, o País não preparou seu sistema de saúde para a mudança e passará a enfrentar uma série de desafios, entre eles falta de estrutura e de médicos, além de dificuldades em tratamentos e prevenção. A idade mediana da população aumentou seis anos desde 2010, chegando a 35 anos em 2022. Os dados também mostram que atualmente, no Brasil, nascem mais meninos, mas o País é cada vez mais feminino. O número de homens para cada cem mulheres passou de 96, em 2010, para 94,2 em 2022.

A população brasileira está envelhecendo cada vez mais rapidamente, em um dos ritmos mais rápidos do mundo. Nova etapa dos resultados do Censo 2022 divulgada ontem revelou que o porcentual de pessoas com 65 anos ou mais no País chegou a 10,9% da população – uma alta recorde de 57,4% frente aos números de 2010, quando os idosos representavam 7,4% do total. Apesar de esse cenário ser esperado há anos, o País não preparou seu sistema de saúde para essa mudança e passará agora a enfrentar uma série de desafios, incluindo falta de estruturas e de médicos, além de problemas em tratamento e prevenção.

Os novos números, recortados por idade e sexo, mostram que a idade mediana da população (a idade que separa a metade mais jovem da população da mais velha) aumentou seis anos desde 2010, chegando a 35 anos em 2022. O índice de envelhecimento também aumentou: são 55 idosos para cada grupo de 100 crianças. Em 2010, este índice era de 30.

Por outro lado, o total de crianças, de 0 a 14 anos, recuou entre 2010 e 2022, de 24,1% da população para 19,8%, uma queda de 12,6%. Em 1980, para se ter uma ideia, os mais jovens eram 38,2% e os mais idosos apenas 4%. Ou seja, a pirâmide demográfica brasileira se parece cada vez menos com uma pirâmide e vai adquirindo um formato mais similar ao de uma ânfora, indicando que a grande maioria da população, atualmente, é de meia idade.

DESPREPARADO E SEM LEITOS.

“A gente tem há décadas pesquisas mostrando o aumento de idosos, a queda das taxas de fecundidade. Isso não é novidade, mas poucos setores da sociedade se moveram para fazer algo”, diz Alexandre Kalache, gerontólogo e presidente do Centro Internacional da Longevidade. Para ele, lideranças políticas, instituições de saúde e a própria sociedade se negam a enxergar as necessidades dessa população, o que impediu que nos preparássemos com mais calma.”

Um trabalho do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) publicado em abril mostrou que apenas 0,7% dos médicos que concluíram a residência em 2020 se especializaram em geriatria, índice que se manteve praticamente estável ao longo dos dez anos anteriores e contrasta muito com os 9,5% dos que concluíram a especialização em pediatria, por exemplo. O Brasil tem hoje pouco mais de 2,6 mil geriatras, mas a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) estima que o déficit seja de 28 mil profissionais. “Precisamos de mais geriatras, mas também precisamos capacitar os demais profissionais de saúde para ter um olhar individualizado para o idoso”, diz Maisa Kairalla, geriatra da SBGG.

O estudo do IEPS mostra que, também na contramão da demanda brasileira, o número de leitos em instituições de

“Fizemos a análise dos 37 partidos políticos e só em dois ou três o tema do envelhecimento e da longevidade entram na pauta. Nas escolas médicas, só 10% têm a disciplina de Geriatria”

Alexandre Kalache Gerontólogo e presidente do Centro Internacional da Longevidade

longa permanência ou de reabilitação caiu de 0,6 para mil idosos em 2010 para 0,4 para mil idosos em 2021. “O sistema de saúde está pouco preparado porque tem baixa disponibilidade de recursos humanos e físicos no cuidado de idosos. O número de geriatras e de leitos está estagnado. Só 36% dos municípios brasileiros têm instituições de longa permanência e a maioria delas são privadas. Os cuidados domiciliares, que são um pilar central da assistência ao idoso em outros países, também não estão bem estruturados no Brasil”, diz Matías Mrejen, pesquisador sênior do IEPS.

PRESSÃO, DIABETE, CÂNCER, ARTROSE E DEMÊNCIA.

Com o envelhecimento populacional, aumenta a prevalência de doenças crônicas, como hipertensão arterial e diabete. Sem controle ou tratamento, elas levam a quadros de enfarte e acidente vascular cerebral (AVC), hoje as principais causas de morte no País. Embora tenhamos tido avanços nos tratamentos destas doenças nas últimas décadas, milhões de brasileiros ainda convivem com esses problemas sem saber ou não seguem recomendações médicas. Só a hipertensão afeta cerca de 30 milhões de pessoas no País. “Um terço dessas pessoas não foi diagnosticado. Outro terço não faz o controle”, diz Kalache.

Outro problema de saúde que aumenta à medida que as células envelhecem são os tumores. No Brasil, segundo o portal Datasus, do Ministério da Saúde, o número de mortes por câncer cresceu 26,8% na última década, passando de 191,5 mil em 2012 para 242,9 mil no ano passado. O cenário epidemiológico exige investimento no sistema para que seja

“Os idosos foram os que mais sofreram com sequelas físicas, perdas e isolamento social durante o período da pandemia da covid-19. Isso ainda não está superado”

Maisa Kairalla

Geriatra da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG)

possível diagnosticar mais precocemente, quando há maior chance de cura. Segundo o Instituto Oncoguia com base em dados do ministério, dois terços dos brasileiros com câncer receberam o diagnóstico com a doença localmente avançada ou já com metástase.

O aumento de pacientes com Alzheimer e outras demências também é esperado em países com maior proporção de idosos. “Estima-se que 40% das pessoas com 85 anos ou mais terá algum nível de declínio cognitivo”, diz Kalache. Hoje, o Brasil já registra cerca de 1,2 milhão de pessoas com demências e são esperados pelo menos 100 mil novos casos por ano, o que aumenta a necessidade tanto de serviços de saúde para dar assistência a essas pessoas quanto de políticas para prevenir ou postergar o aparecimento da condição. Pesquisa feita em 2019 pelo governo federal ainda mostrou que a faixa etária dos 60 aos 64 anos era a mais afetada com depressão (13,2%).

E outro fator que afeta a qualidade de vida e funcionalidade, e sobrecarrega o sistema de saúde, são as doenças osteoarticulares, como osteoporose e artrose. O enfraquecimento dos sistemas que dão sustentação ao corpo aumenta ainda o risco de quedas, que, em idades mais avançadas representam uma causa importante de morte e incapacidade.

PREVENÇÃO E CUIDADOS.

Todos os problemas anteriores, embora sejam, de fato, mais prevalentes em idosos, podem ser muito menos frequentes em populações que, desde a idade adulta, são incentivadas a adotar hábitos de vida mais saudáveis, com dieta adequada, peso sob controle e rotina com atividades físicas. O tabagismo e o consumo exagerado de álcool e outras drogas também devem ser evitados. Tais decisões, porém, não devem ser colocadas somente sob uma perspectiva de escolha individual, dizem os especialistas. “A gente tem de preparar a pessoa que está com 40 anos hoje para envelhecer com saúde: fazer com que ela tenha engajamento na dieta, oferecer acesso à saúde para que faça seus exames básicos, receba vacinas. É preciso ter políticas públicas de prevenção e promoção da saúde”, diz Maisa.

É importante ainda que, para além do sistema de saúde, as cidades ofereçam mais espaços verdes e acessíveis, transporte de qualidade e também acessível, mais segurança e atividades culturais e sociais para que o cuidado da saúde seja facilitado. “Tem idoso que não consegue vir à consulta porque o ônibus que passa perto da sua casa não tem acessibilidade. Isso precisa mudar”, diz a geriatra.

GOVERNO.

Questionado sobre o que planeja diante do cenário de envelhecimento acelerado, o Ministério da Saúde afirmou que “tem se organizado para acompanhar e preparar a rede de atenção à saúde” diante do cenário e afirma que “estão sendo estruturadas ações para qualificação dos profissionais de saúde em temáticas do envelhecimento por meio de parcerias com hospitais de excelência (projeto PROADI-SUS), além de projetos de ensino-pesquisa e capacitação em parceria com universidades e instituições de ensino”.

De acordo com a pasta, “também são realizadas articulações intersetoriais e interfederativas para qualificação da rede de atenção à saúde da pessoa idosa com ações de estímulo à avaliação multidimensional, com vistas ao cuidado integral e integrado, conforme preconizado na Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa”.

Outra prioridade, diz o ministério, é qualificar a rede de atenção diante da crescente demanda por cuidados de longa duração às pessoas idosas que deles necessitam. O órgão diz que a principal porta de entrada para o SUS, as unidades básicas de saúde (UBSs), estão preparadas para lidar com as diferentes demandas da população idosa. “No nível da Atenção Primária, espera-se que sejam solucionadas 85% das demandas e situações de saúde mais comuns, incluindo as das pessoas idosas. Elas recebem atendimento principalmente em UBSs, mas também podem receber cuidados em reabilitação com equipes multiprofissionais.”

Na capacitação de profissionais, o ministério disse que “o treinamento e a reciclagem de profissionais são incentivados por meio de articulação com Estados e municípios”. •

O Estado de Sao Paulo

Foto destacada _  Eder Accorsi

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