Lento, gordo e sem pressa. Fora do padrão, como nós

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Fora do ‘padrão’ e sem pressa, maratonista Martinus Evans, 40,  inspira corredores

Apesar de ser um corredor fora do “padrão”, ele mostrou que qualquer um pode praticar o esporte – e que o importante é competir

Martinus Evans apareceu na capa da Runner’s World, posou nu para a Men’s Health e apareceu em um anúncio da Adidas. Sua conta no Instagram tem cerca de 62 mil seguidores. E ele acaba de lançar seu primeiro livro, Slow AF Run Club: The Ultimate Guide for Someone Who Wants to Run (algo como Clube dos Corredores Superlentos: O Guia Definitivo para Alguém Que Quer Correr). Tudo isso por que ele decidiu acolher quem, como ele, corria apenas pelo esporte.

A ideia de criar o Clube dos Corredores Lentos nasceu por volta da milha 16 da Maratona de Nova York de 2018, logo após a cansativa Ponte de Queensboro em Manhattan. Evans estava correndo quando notou um homem gesticulando para ele. “Você é lento, amigo”, gritou o homem. “Vá para casa.” Evans tentou ignorá-lo e voltou sua atenção para o percurso, que terminou em cerca de oito horas, ou seis horas atrás do vencedor. Mas quando o espectador repetiu sua provocação, Evans ficou mais irritado – e então inspirado.

Na vez seguinte em que Evans correu, então já com 36 anos, ele usou uma camiseta estampada com a frase que o homem disse “SLOW AF” (insulto com o sentido de “muito devagar”) e um desenho de uma tartaruga sorridente. Quando ele compartilhou fotos de seu novo uniforme de corrida no Instagram, os seguidores pediram aquela camiseta. No início de 2019, nasceu um clube de corrida.

Evans, que agora é um treinador de corrida certificado, está ajudando a liderar um movimento global para tornar o esporte seguro e acolhedor para quem quer correr, independentemente do tamanho, ritmo, nível de condicionamento físico ou cor da pele. Sua mensagem é simples: “Quero que todos saibam que podem correr com o corpo que têm agora”.

‘VOCÊ É GORDO’. Crescendo no lado leste de Detroit, filho de dois trabalhadores de uma fábrica de automóveis, Evans, que é negro, não conhecia ninguém que corresse para se divertir. A maioria das pessoas que ele conhecia pensava na corrida recreativa como uma atividade de pessoas brancas.

Em uma recente corrida matinal de domingo pelo Prospect Park, Martinus Evans era recebido como um grande campeão. Com frequência, os corredores que passavam sorriam e acenavam com a cabeça, parabenizando-o enquanto passavam em alta velocidade.

Quando menino, ele foi ridicularizado por seu peso – ele era conhecido na vizinhança como “Marty, o garoto gordo”, contou. Mas depois de entrar para o time de futebol da escola, ele começou a desenvolver confiança em suas habilidades físicas. Frequentou o Lane College no Tennessee com uma bolsa de futebol, antes de se transferir para a Central Michigan University, onde se formou em ciência do exercício. “Eu pensei: talvez eu finalmente aprenda a malhar e perder esse peso. E então talvez eu possa ser aceito.”

Em 2012, Evans e sua então namorada (agora esposa) se mudaram para Connecticut, onde ela havia entrado na pósgraduação. Ele conseguiu um emprego como vendedor de ternos enquanto pensava em seu próximo passo. O trabalho, que exigia que ele vestisse homens de todas as idades e tipos físicos, seria um caminho

Mas os corredores não o aplaudiam por vencer nenhuma corrida. Pode-se até dizer que eles o estavam cumprimentando por seu histórico de terminar por último.

Evans é o fundador do Slow AF Run Club, uma comunidade virtual para “retardatários”

que já soma mais de 10 mil membros em todo o mundo. Com mais de 130 kg, ele se tornou uma figura amada entre os corredores que se sentiram excluídos do esporte. E uma inspiração para seguir o lema “o importante é competir”. Improvável para se tornar um influenciador fitness.

Depois de meses na loja usando sapatos duros, ele começou a sentir uma dor no quadril. A dor o levou a um cirurgião ortopédico, que, ele escreve em seu livro, olhou para ele e falou: “Sr. Evans, você é gordo. Você tem duas opções: perder peso ou morrer”. Evans lembrou-se de segurar as lágrimas enquanto, “com um sorriso meio sem graça”, disse desafiadoramente ao médico: “Vou correr uma maratona”. O médico riu e afirmou que correr uma maratona também o mataria.

Ele saiu da consulta zangado e ainda com dor (outro médico, mais tarde, o diagnosticou com bursite no quadril), foi direto a uma loja de corrida para comprar um par de tênis, determinado a provar que o médico estava errado. Para uma motivação extra, Evans criou um blog chamado 300 Pounds and Running (135 kg e Correndo), no qual começou a registrar seus progressos na corrida e na perda de peso. Depois de alguns meses, ele ficou surpreso ao descobrir que pessoas desconhecidas estavam lendo e torcendo por ele.

Ele descobriu que gostava de correr, apesar dos transeuntes que ocasionalmente o xingavam. Mais de uma vez, foi parado pela polícia enquanto corria. Quando se sentia derrotado, olhava para uma tatuagem em seu pulso direito que diz: “Sem luta, sem progresso”.

Por fim, ele correu 5 km, e depois, uma meia maratona. Finalmente, no outono de 2013, Evans voltou para casa para correr a Detroit Free Press Marathon e cumprir a promessa feita no consultório médico. Quando cruzou a linha de chegada, chorou.

Desde então, ele obteve um mestrado em pesquisa em saúde pública e outro em mídia digital e design.

COMUNIDADE. Historicamente, a corrida fez muitas pessoas com corpos grandes sentirem que precisam perder peso para fazer parte – ou seja, para serem consideradas corredores de verdade, lembrou Samantha White, professoraassistente de estudos esportivos no Manhattanville College. Ao “ampliar os corredores que não estão focados no tempo, mas sim na comunidade”, garantiu ela, Evans está criando um espaço “onde os corredores recreativos, especialmente os corredores recreativos negros, podem encontrar um lugar”. Assim, a primeira regra do Slow AF Run Club, que existe principalmente em um aplicativo com o mesmo nome, é que os membros não podem falar sobre seu peso ou perda de peso.

Ao aconselhar os corredores, Evans diz que, antes mesmo de calçar os tênis, eles devem se concentrar em treinar seus cérebros para adotar a mentalidade de que podem correr, apesar do que possa dizer uma cultura obcecada por magreza e focada na velocidade. Em seu livro, ele os encoraja a neutralizar seu crítico interior, dando-lhe um nome – o dele se chama Otis, que ele imagina como um “tio bêbado e ignorante”. Por fim, diz aos corredores para seguir em frente como puderem, mesmo que isso exija o que chama de “autoconfiança delirante”.

Mais de uma década depois de começar a correr, com oito maratonas no currículo, Evans ainda pesa 135 kg. Ele é saudável por todas as medidas usuais, embora não meça seu bem-estar – ou sucesso como corredor – em números. Ele corre simplesmente para poder continuar a correr, para si e para os outros. Quanto mais tempo ele aparece e corre “muito devagar”, acrescentou ele, mais fácil se torna para outros corredores fazerem o mesmo. •

Estado de São Paulo

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